O Brasil dos verdadeiros brasileiros

Sábado passado fui ao teatro Galpão assistir a comédia “O Bello e as Feras”. Foram momentos agradáveis – desde o ótimo desempenho dos atores até a impecável maquiagem, tudo contribuiu para o alto nível da peça. Um detalhe, porém, me chamou vivamente a atenção: o tema genuinamente brasileiro, coisa rara por aqui! Nossos parabéns!

Tudo se passa em uma de nossas florestas – e não nas savanas africanas, nos campos europeus ou nas pradarias norte-americanas. Os animais, todos brasileiros – uma onça, um gambá, um beija-flor, um macaco e até uma jibóia. Confesso que ao sair do teatro fiquei a pensar no Brasil dos verdadeiros brasileiros, que a cada dia desprezamos mais.

Começo pelos nosso idioma. Temos uma das mais ricas línguas do planeta. E, no entanto, falar em “intervalo do café” virou algo “brega”, a ser evitado. O chique é “coffee break”. Nossos aparelhos eletrônicos, fabricados aqui no Brasil para nós mesmos, quase nunca tem botões “liga/desliga” – só “on” e “off”. Talvez, no imaginário de alguns, o uso de palavras inglesas nos coloque no tão sonhado 1º Mundo. E, neste devaneio, nos esquecemos de que 68% dos brasileiros entre 15 e 64 anos não conseguem ler nada além de um anúncio de 5 palavras – que dirá em inglês!

Nosso país vê, com pesar, que 3 a cada 4 de seus filhos com mais de 60 anos são desdentados – somente em São Paulo, 68% dos adultos já perderam todos os dentes. Nada menos que 30 milhões de brasileiros nunca foram a um dentista. Mas, se algum dia conseguirem ir, serão atendidos em prédios chamados de “Medical Health Diagnostic Surgery Plaza Center” ou coisa que o valha. É difícil de entender o motivo de tantos endereços em inglês!

O Brasil recebe apenas 0,59% dos turistas que circulam pelo planeta (dados de 2006). Estamos em 37º lugar na lista dos países que mais recebem turistas – ficamos atrás até da pequena Bulgária. No entanto já está difícil encontrar, aqui, algum hotel com o nome muito diferente de “Resort Convention Palace Comfort Hotels Bureau Business & Inn”.

Se falarmos de endereços residenciais, esta realidade não será diferente. Aliás, um estudo do BNDES mostrou a necessidade de reduzirmos nosso déficit habitacional, que já alcança incríveis 8 milhões de moradias. As razões são simples: no Chile o crédito para habitação corresponde a 13% do PIB, na Espanha a 46%, e no Brasil a apenas 1,7%. A triste verdade é que construímos muito pouco. Mas, apesar disso, nossa reconhecida criatividade não funciona na hora de darmos nome aos prédios – lá estão os “Royal Port Residence Service Flat American Tower Building” da vida, construídos por brasileiros em bairros brasileiros e esperando seus moradores brasileiros.

O que mais choca nesta perda de identidade que está transformando nosso país em um subúrbio norte-americano é estar ela sendo promovida não pelo povo mais humilde, mas pela camada mais esclarecida da população – e, pensando bem, teriam mesmo que ser os poucos letrados, já que 68% dos brasileiros mal conseguem falar português.

Um dos mais mais importantes cientistas sociais do mundo, Immanuel Wallerstein, disse em seu livro “O Declínio do Poder Americano” que a hegemonia dos Estados Unidos começa a chegar ao fim. Qual país assumirá o seu lugar? Eu espero que não seja o Butão – nomes de prédios em Dzonga seriam muito difíceis de ler.

Enviar por e-mail Imprimir