O Brasil, o trem e a tartaruga

Todo mundo sabe que tartaruga não sobe em árvore – assim, se encontrarmos alguma passeando bem no alto, sobre algum galho, com certeza alguém a colocou lá.

O Brasil é um país imenso. Logo, é essencial para o nosso desenvolvimento um bom sistema de transportes. Isto é tão óbvio como o fato de que tartarugas não sobem em árvores.

Considerado o tamanho do Brasil, uma boa rede de ferrovias seria o mínimo – afinal, com o combustível que um caminhão gasta para percorrer 25 km um trem percorre 86 km. Isto é tão claro como o fato de que tartarugas não sobem mesmo em árvores.

Um exemplo: apenas para Goiás, a existência de uma ferrovia que escoasse a produção agrícola até o porto de Santos significaria uma economia anual de 50 milhões de dólares – este cálculo foi feito no ano 2000, quando esta obra foi solicitada pelo governo daquele Estado. Isto é óbvio: uma carreta leva apenas 30 toneladas de carga, contra 3 mil de um trem.

Há ainda a questão da segurança. Desde 1960 mais de 600 mil brasileiros morreram vítimas de acidentes de trânsito. Ora, os trens são muito mais seguros que os caminhões – eis aí outra verdade tão evidente como a de que tartarugas não sobem em árvores de jeito nenhum.

Curiosamente, no entanto, todas estas verdades tão simples foram ignoradas: 70% de nossas cargas são transportadas em rodovias, no lombo de milhares de caminhões. É aí que a nossa tartaruga começa a subir na árvore.

Dos 29.798 km de ferrovias que o Brasil tem, cerca de 10 mil foram construídos por – pasme – Dom Pedro II. Nosso país tem uma malha ferroviária do mesmo tamanho da do Japão, cujo território tem as dimensões de São Paulo. Os Estados Unidos têm 14 vezes mais ferrovias do que nós. E lá vai nossa tartaruga, subindo na árvore!

Mas há ainda uma agravante: cerca de 7 mil km de nossas ferrovias estão desativados, o que nos deixa com algo em torno de 23 mil km. Para completar, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres divulgou em 2002, 30 a 40% da malha ferroviária está em péssimo estado. Como sobe depressa, a nossa tartaruga!

As conseqüências do estado de nossas ferrovias são chocantes: nos Estados Unidos, a velocidade média dos trens é de 80 km/h, contra apenas 20 km/h em nossas ferrovias – as quais, não por acaso, respondem por apenas 23% do total de cargas transportadas em nosso país, contra 50% das de lá. E vai subindo na árvore, a nossa tartaruga!

Vamos a mais números: no Canadá, apenas 13% das cargas são transportadas de caminhão; na França, 28%, e, nos Estados Unidos, 25% – contra, recordemos, 70% do Brasil. Nem o pobre Paraguai chega a tanto – lá, apenas 47% do transporte é rodoviário.

Aliás, o caso do Paraguai chama a atenção por um detalhe: 49% de suas cargas são transportadas por rios. Enquanto isso o Brasil, com tantos rios e 9.198 km de litoral, não transporta nem 10% disso em navios. E lá vai nossa tartaruga, árvore acima!

Li na BBC News, há poucos dias, que apenas uma empresa norte-americana espera vender 1.700 aviões para a América Latina nos próximos 20 anos, um negócio de 120 bilhões de dólares – chegaram a esta projeção após analisarem o crescimento da demanda e a má qualidade das nossas redes de transporte.

O Brasil não precisará só de aviões. Será necessário que as empresas estrangeiras aqui instaladas nos vendam também milhares de custosos caminhões e milhões de pneus. Eles circularão por nossas estradas caríssimas, que demandam fortunas em manutenções constantes.

Por conta de um tráfego tão intenso em nossas estradas, quantos brasileiros morrerão nelas nos próximos 20 anos? Outros 600 mil? 800 mil? Um milhão? Eu? Você? Nossas famílias? E lá vai a tartaruga, alcançando o topo da árvore!

Já cheguei a uma conclusão: o Brasil não tem problemas, tem apenas ‘muita tartaruga no alto de árvore’.

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