O Brasil que perdeu a sua indústria

José é um brasileiro típico, morador de um subúrbio qualquer de uma de nossas grandes cidades. O dia dele começa lá pelas cinco da manhã, quando um despertador  produzido por uma empresa japonesa o acorda. José levanta-se e vai escovar os dentes com uma escova e uma pasta fabricadas sob licença de uma companhia norte-americana. Para lavar o rosto, usa um sabonete produzido sob autorização de uma empresa inglesa. O creme de barba também é importado.

Para o desjejum, lá está José saboreando o leite de vacas brasileiras, porém vendido por uma empresa italiana. Ele gosta de colocar no leite um chocolate em pó produzido a partir de cacau brasileiro, mas que é vendido por uma empresa suíça. O iogurte que José consome é feito com frutas brasileiras, porém comercializado por uma empresa francesa.

É hora de José ir para o trabalho. E lá vai ele em um ônibus fabricado por uma empresa alemã, que utiliza pneus feitos com borracha brasileira, porém vendidos por uma companhia francesa. O combustível do ônibus, apesar de ser brasileiro, foi vendido por uma distribuidora de bandeira norte-americana.

José chega ao trabalho. Ele pressiona um interruptor produzido por uma empresa alemã e liga uma lâmpada fabricada por uma empresa norte-americana. A calculadora de bolso que José usa veio do Japão (sim, o Brasil ainda não produz nem chips de calculadoras). A caneta esferográfica chegou à mesa de José pelas mãos de uma fabricante norte-americana, e o lápis através de uma companhia alemã.

É hora do almoço. José dirige-se a um Shopping Center próximo, onde se deliciará com alguma Fast Food produzida quase sempre sob licença de companhias estrangeiras. Para acompanhar a refeição José beberá água mineral extraída de alguma nascente brasileira, mas vendida por uma empresa francesa. Na sobremesa, José saboreará um gostoso chocolate produzido com cacau brasileiro que uma empresa norte-americana vende.

Eis que o celular produzido por uma empresa coreana toca, e José é chamado a voltar ao escritório. No caminho, ele ainda para no banco para pagar a conta do telefone a uma empresa italiana.

Chega ao fim o dia de trabalho de José. No caminho de casa ele para em um bar para um Happy Hour com amigos. Lá pelas tantas, ele olha seu relógio de pulso japonês e vê que é hora de ir para casa. Ao chegar nela, esquentará seu jantar em um fogão fabricado por uma empresa alemã, e em seguida, diante de uma televisão fabricada sob licença de uma empresa japonesa, irá conversar com sua família sobre o grande problema nacional: o escandaloso divórcio de alguma famosa atriz norte-americana.

Não sou adepto do isolamento, e muito pelo contrário. Ninguém duvida que uma economia aberta é essencial para o desenvolvimento. Só acho difícil de entender que um país tão rico como o Brasil dependa tanto de empresas estrangeiras para vender a brasileiros sua própria água, o leite de suas próprias vacas, o café e o cacau de suas próprias plantações e até o petróleo de seu subsolo. Não dá para compreender o motivo de precisarmos de tantas empresas transnacionais para termos acesso a coisas simples como sabonetes, lápis, borrachas, calculadoras de bolso ou lâmpadas. É mesmo complicado compreender o motivo de dependermos de estrangeiros para serviços os mais básicos.

Não ignoro que os países ditos industrializados abriram suas economias, e em alguns setores houve a penetração de empresas estrangeiras. Isto é normal, nada de errado há nisso. Mas desconheço, dentre eles, situação que sequer chegue perto do nível de desnacionalização a que se submeteu o Brasil.

Há alguns meses uma grande empresa francesa estava para ser adquirida por norte-americanos. Eis que o Estado da França, de forma oficial, anunciou ser aquela companhia “uma jóia nacional”, cuja venda deveria ser impedida de todas as formas possíveis. E eis que a empresa continuou francesa! Talvez seja por causa deste espírito que, por exemplo, os franceses andam a bordo de veículos produzidos por montadoras francesas – assim como nós!

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