O nosso mundo tenebroso

Aconteceu em Nuremberg, na Alemanha. Um passageiro de 64 anos estava no aeroporto, passando pelas intermináveis filas da segurança, quando foi informado de que não poderia levar consigo uma simples garrafa de vodka que carregava – “é a guerra ao terror”, explicaram. Inconformado, aquele pacato cidadão bebeu todo o litro de vodka diante dos atônitos agentes de segurança – um “porre-protesto” contra o inferno que se criou na vida das pessoas comuns.

Enquanto isso, em Israel, uma também pacata enfermeira ganhou de presente de aniversário um CD de música chamado “Jericho IV – Modificação Nuclear”. Indo para o trabalho, ela deixou aquele inofensivo CD sobre o banco do carro. Eis que alguém ligado ao Serviço Secreto, passando pelo estacionamento do hospital, viu o CD, leu o título e se apavorou, pensando tratar-se de um plano terrorista. Acredite: até o Ministério da Defesa de Israel foi acionado para capturar o CD e sua apavorada proprietária.

Mas falemos de alguém mais conhecido: o falecido Senador norte-americano Edward Kennedy. O nome dele, um dos mais influentes e conhecidos parlamentares dos Estados Unidos, foi equivocadamente incluído em uma lista de suspeitos de terrorismo. E ei-lo não por uma, mas por incríveis cinco vezes, barrado nos aeroportos norte-americanos, impedido de embarcar.

Pior aconteceu com um professor de viagem pela Alemanha. Ele resolveu levar para ler a bordo do avião um famoso livro de Emile Durkheim cujo título é “O Suicídio”, um clássico da literatura mundial. Pois bem: a segurança do aeroporto identificou nele “um elemento que tentava embarcar em um avião carregando um livro sobre suicídios”, e por conta disso quase que a viagem terminou em uma cadeia.

Há também o caso do agente de segurança do aeroporto de Tóquio, no Japão, que colocava pacotes de maconha e cocaína nas bagagens dos passageiros que chegavam só para conferir se os cachorros da fiscalização iriam detectá-los. Segundo consta, em poucos meses foram mais de 160 cargas de entorpecentes colocadas nas bagagens de pessoas comuns. Mas eis que o pior aconteceu: em um dado dia os cachorros falharam. E foi assim que um passageiro de Hong Kong retirou sua mala, passou pela imigração e pela alfândega sem saber de nada, e só no hotel veio a descobrir, apavorado, que era um “traficante”.

Buscando evitar tudo isso uma inglesa resolveu ir de ônibus de Aberdeen até Londres. Mas se deu mal: os controles de segurança não a deixaram embarcar com nenhuma bagagem de mão – nem mesmo uma inofensiva garrafa de água! Por conta disso, ao final de 12 horas de viagem, ela desembarcou do ônibus desidratada e passando mal.

Realmente está difícil a vida das pessoas comuns! Que o diga uma norte-americana de 21 anos, branca, moradora de Vanderburg. Ela estava em sua casa, em paz, quando por lá chegou a polícia e a carregou sumariamente para a cadeia. Apurou-se, depois, que o mandado de prisão era dirigido a um homem negro. Descobriu-se que ela fazia aniversário no mesmo dia do criminoso, o que teria causado algum erro nos computadores da polícia. Este não foi um caso isolado: naquele mesmo ano, também por um erro dos computadores, um padre amargou seis horas em uma cela no lugar de um criminoso procurado.

Diante destes exemplos fico a pensar em Arthur Miller, quando exclamava que “o fascismo é a vitória do irracional”.

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