O país dos linchamentos

Não faz muito tempo li em A Tribuna uma notícia pequena, quase que rotineira, mas que indica um quadro merecedor de algum estudo. Ei-la: “Irritada com a Justiça e a impunidade, a população de Araiozes (MA) invadiu a delegacia, retirou dois presos e matou-os a pauladas”.

Realmente, esta é uma notícia comum e que não chama a atenção. No mais das vezes, os linchamentos sequer noticiados são – vi, por exemplo, uma estatística relativa à Bahia indicando que lá menos de 35% dos casos chegam às páginas dos jornais.

Mas fiquei curioso com esta notícia! E assim busquei saber mais detalhes. Foi difícil, pois realmente este tipo de crime quase não é noticiado. Mas consegui. Descobri que 50 pessoas invadiram a Delegacia na qual estavam dois acusados de assassinato. Olhando a invasão, outras mil (sim, mil) lá estavam. É isso mesmo: 1.000 pessoas se colocaram em frente à Delegacia, olhando passivamente outras 50 invadirem e retirarem os presos das mãos da Polícia.

Os dois suspeitos, diante de toda aquela multidão, foram mortos a pedradas, pauladas e chutes, além de terem sido dilacerados pelas patas de um cavalo. Segundo divulgado pela Polícia, os dois elementos linchados teriam assassinado um professor da região exatos quatro dias antes.

Estes fatos me trouxeram à memória uma significativa entrevista feita com o sociólogo José de Souza Martins, da Universidade de São Paulo, que pesquisou cerca de 20 mil casos de linchamento no Brasil. Naquela oportunidade, ele declarou que “ocorrem, em média, quatro linchamentos por semana. E pode-se dizer que pelo menos 500 mil pessoas já participaram de linchamentos no País nos últimos 50 anos”.

Seria isto coisa do interior distante e desassistido? Não, de forma alguma. Perguntado sobre as regiões nas quais os linchamentos são mais freqüentes, o pesquisador foi seco e firme: “Na cidade de São Paulo, seguida por Salvador e pelo Rio de Janeiro. Aqui no Brasil, o linchamento é urbano, ocorre normalmente nas periferias das grandes cidades”.

O repórter perguntou, em seguida, se a pesquisa detectou alguma condenação por linchamento. Eis a chocante resposta: “Que eu tenha conhecimento, apenas um, em Santa Catarina. A vítima sobreviveu ao ataque por algumas semanas e reconheceu 23 pessoas. Apenas um foi condenado, o mais pobre”.

Qual seria o motivo de tamanha impunidade? A resposta: “Como o linchamento é um crime autodefensivo, as elites não vão considerar criminoso aquele que o pratica. Pesquisas indicam que 50% da população brasileira é favorável ao linchamento. Não somos um povo cordial, somos muito violentos”.

Você sabe qual a origem do termo “linchamento”? Existem duas versões. Segundo uma delas, o termo teria vindo de um lugar conhecido como “Lynch Creek”, nos Estados Unidos, no qual, durante os idos de 1768, eram julgados e executados sumariamente os suspeitos. A outra versão, mais aceita, atribui a origem do termo a um juiz norte-americano de nome Charles Lynch, o qual, nos idos de 1780, teria se notabilizado por realizar julgamentos sumários em tribunais informais. Deve ser registrado que estes “julgamentos de Lynch” foram tão absorvidos pela população que uma Assembléia Geral do Estado de Virginia, realizada em 1782, os legalizou inclusive retroativamente!

Seja como for, todos estes lamentáveis fatos ocorreram nos já distantes anos de 1768 a 1782. Em que ano estamos mesmo? Ah, sim: 2009, século XXI. Ouso dizer que nem em seus momentos de maior delírio o juiz Lynch imaginou que encontraria tantos adeptos e seguidores em um país como o Brasil, que tanto canta a virtude e a tolerância.

Pois é: talvez já tenha passado da hora de a nossa Sociedade discutir, sem paixão e sem hipocrisia, os fundamentos de um País que dá exagerados direitos de defesa a alguns réus para depois matá-los pelas ruas, da forma mais bárbara e cruel possível. Talvez seja o momento de nos perguntarmos se temos aquela dupla moral à qual se referia Bertrand Russel, uma que pregamos mas não praticamos e outra que praticamos mas não pregamos.

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