O potencial dos abandonados

Hoje vamos à Etiópia. Trata-se de um dos países mais antigos do mundo, encravado no denominado “chifre da África”. Sua população, segundo consta a segunda maior do continente, padece sob índices de miséria vergonhosos.

Na maior parte das aldeias deste país crianças e adultos não sabem ler – aliás, sequer distinguir letras eles conseguem. Naqueles grotões não há professores – que seriam inúteis, pois não há escolas. Telefones celulares e computadores são seres estranhos, que por lá nunca deram as caras.

Li que na Etiópia uma a cada três pessoas sofre de desnutrição crônica. Ou seja, o de que aquele pobre povo trata, nas aldeias do interior, é de simplesmente sobreviver. Vivem para o dia, e olhe lá. Habitam um mundo à parte, isolado dos benefícios da educação e da tecnologia.

Imagine o que aconteceria se alguém passasse naquelas paragens e entregasse, sem falar nada, um moderno computador tipo “tablet” a crianças absolutamente analfabetas. Esta foi a ideia da “OLPC”, sigla em inglês de um projeto denominado “Um computador para cada criança”, liderada por Nicholas Negroponte.

A princípio, tudo parecia uma maluquice só: saber como seria o processo de conhecimento e adaptação a computadores sem a intervenção de professores ou mesmo longe de uma escola. Participaram desta experiência 20 crianças que vivem em aldeias isoladas do “mundo moderno”.

Transcrevo, a seguir, as palavras de Negroponte, registradas pelo jornal chileno “El Mercurio”: “deixamos as caixas com os “tablets” nas aldeias. Fechadas. Sem instruções, sem presença humana. Pensei que as crianças iriam chutar as caixas”.

Mas eis que, em apenas quatro minutos, uma das crianças não apenas abriu corretamente a embalagem como encontrou o botão de ligar o aparelho – cujo idioma era exclusivamente o inglês.

Cada aparelho tinha embutido um programa que registrava em detalhes todas as ações do usuário. E foi assim que constatou-se, com absoluta surpresa, que em apenas cinco dias aquelas crianças analfabetas, desnutridas e abandonadas já utilizavam nada menos que 47 aplicações. Em cinco semanas já aprendiam inglês sozinhas, chegando a cantar músicas sobre o alfabeto. E ao cabo de cinco meses já sabiam tanto sobre o aparelho que violaram seu sistema de segurança e descobriram como ativar a câmera de fotografias – que os técnicos norte-americanos haviam desabilitado.

Todas as crianças – sem exceção – aprenderam sozinhas o alfabeto ocidental, começando a relacionar letras com sons e até mesmo a escrever algumas palavras. Repito e insisto: sozinhas, a partir do nada, isoladas de qualquer educador. Imaginem o potencial oculto dentro de cada um destes pimpolhos!

A propósito, uma criança em especial chamou a atenção. Anêmica e isolada, vivia cabisbaixa sem olhar ninguém nos olhos e sem dizer palavra – uma cena que nos é familiar. E foi ela, exatamente ela, a primeira a descobrir como ligar o aparelho. Ao fazê-lo gritou, no dialeto da aldeia, “sou um leão”. E converteu-se no “professor” e “líder” dos demais.

Esta experiência, levada a efeito nos grotões de um dos mais pobres países da África, é na verdade uma acusação terrível a todos quantos negligenciam a educação pelo planeta afora. Ela mede e torna visível o tamanho da insensibilidade e da crueldade de todos quantos, por ação ou omissão, não proporcionam condições dignas de aprendizado àqueles pequeninos seres, dotados de um potencial infinito, que chamamos “crianças”.

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