Obras e festas com recursos públicos

Há alguns meses li que o Tribunal de Contas da União identificou, no Brasil, 400 obras paralisadas após terem consumido R$ 2 bilhões dos cofres públicos. A maior parte destas obras inacabadas é em rodovias ou projetos de saneamento e de infra-estrutura urbana. Aquele conceituado órgão informou ainda que o valor pode ser muito maior, pois não foram incluídos no estudo todos os ministérios e bem assim aquelas obras irrecuperáveis.

Por falar em obras, no ano de 2005 um estudo do Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transportes revelou que 40,8% das rodovias federais precisam ser refeitas. Um pouco antes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres apontou o estado deficiente e a absoluta carência de equipamentos em 30 a 40% da malha ferroviária brasileira.

Há também a questão do saneamento básico. Li que somente 25% dos brasileiros que residem em cidades são atendidos por redes de esgoto, e que só 12% dos dejetos são tratados. Daí uma outra notícia que li no jornal A Tribuna, segundo a qual 20 crianças morrem diariamente por Brasil por falta de esgoto sanitário.

Enquanto isso, encontrei no respeitado jornal “Yomiuri”, do Japão, uma notícia extraordinária: o governo de lá admitiu, humildemente, que os recursos públicos destinados à construção de obras não devem ser desviados para a realização de “shows”, confecção de propagandas e distribuição de brindes! É mesmo notável: descobriu-se que o importante é fazer a obra e “ponto final”, reconhecendo-se que festas e patrocínios não atendem ao interesse público.

Eis a notícia: “O Ministro dos Transportes e Obras admitiu em uma entrevista coletiva que cerca de 30% dos 9,6 bilhões de Ienes do orçamento de relações públicas foram gastos em projetos que provaram ser inúteis ou irrelevantes para a construção de obras. Os projetos incluíram patrocínio de shows, concertos, festivais, CDs e panfletos”. Transcrevo as palavras de um dos responsáveis: “Nós não deveríamos gastar o dinheiro dos contribuintes em projetos cuja efetividade seja discutível”.

O Ministério prometeu, ainda, reduzir pela metade seus gastos com relações públicas no próximo ano, e comprometeu-se a não mais se envolver em projetos que não sejam de utilidade reconhecida. Anunciou-se, também, que todos os gastos envolvendo relações públicas serão abertamente divulgados pela Internet e por outros meios de comunicação.

Este episódio, apesar de seus contornos lamentáveis, traz lições notáveis ao Brasil. Aqui, segundo dados de 2005, o total de investimentos apenas em propaganda dos governos federal, estaduais e municipais somou espantosos R$ 907 milhões. Em 2006, transcrevo parte de reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo: “os gastos com propaganda estatal federal passaram de R$ 1 bilhão. O valor divulgado não inclui gastos com publicidade legal (editais e balanços), custos de produção de comerciais nem patrocínios concedidos por empresas estatais”.

O Japão é um país rico, dono de um parque industrial fabuloso que o coloca na posição de 2º Produto Interno Bruto do mundo. O Brasil luta para sair do subdesenvolvimento, em uma trajetória penosa que ainda inclui auxílio governamental para que milhões de seus filhos possam simplesmente comer. No Japão, a verba de relações públicas anunciada na notícia foi de 9,6 bilhões de Ienes (algo em torno de R$ 173 milhões). No Brasil, em 2005, apenas um grande banco estatal brasileiro gastou quase isso, e somente em propaganda (acentuo uma vez mais: sem contar patrocínios diversos, que lá foram incluídos).

Diante destes números, exemplos e realidades talvez fosse o caso de recordarmos Benjamim Franklin, quando dizia que “bem feito é melhor que bem dito”, e ouvirmos o sábio conselho de Oswaldo Cruz, segundo quem “pelas faltas dos outros, o homem sensato corrige as suas”.

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