Onde fica Washington?

Outubro de 2013 entrou para a história como mais uma das vezes em que o governo dos Estados Unidos da América diminuiu de tamanho – aliás, isto já aconteceu outras 17 vezes desde 1976.

O problema não foi a falta de dinheiro – ele estava lá, perfeitamente disponível. O que houve é que a elite dirigente não se entendeu, o orçamento não foi votado pelo Congresso e assim passou a faltar a autorização legal para pagar despesas e salários de servidores públicos.

As frases acima retratam o noticiário produzido sobre este evento, tal como exposto na esmagadora maioria dos jornais – alguns dos quais acrescentaram que uns 800 mil servidores públicos foram despachados para suas casas, sem vencimentos, por conta desta crise política e burocrática.

Achei esta cobertura meio “fria”, no que toca ao seu aspecto humano, e decidi buscar mais informações. O que encontrei me deixou pasmo!

Vamos começar pela Casa Branca, abrangendo os gabinetes do Presidente e do Vice-Presidente – coisa de 1.700 funcionários. Acredite: 74% deles foram despachados sumariamente para casa!

No Departamento do Tesouro, um dos grandes responsáveis pelo funcionamento da economia daquele país, 80% dos 113.000 funcionários foram dispensados. A respeitada NASA, responsável pela exploração espacial, foi dormir com 18.000 servidores e acordou com 540 – uma perda de 97%.

E a área da educação, esta responsável pela formação da geração seguinte? Perdeu 94% de seus servidores! Quer mais? Os serviços de saúde tiveram o efetivo reduzido em nada menos que 52%! Não nos esqueçamos do setor de energia, que do dia para a noite foi privado de 69% de sua força de trabalho.

Nem a tão decantada defesa nacional ficou imune – 80% dos seus 800.000 servidores civis foram enviados para o recesso do lar. Há também o caso do Departamento de Transportes, que perdeu 33% dos 55.000 servidores em menos de 24 horas.

A proteção do meio-ambiente quase que acabou: passou de 16.000 servidores para 960, uma queda de 94%. Prossigo nesta narrativa absurda com os Departamentos do Comércio e do Trabalho: este perdeu 82% de seus servidores, e aquele 87%. Para encerrar, chego ao paroxismo com o sistema de controle da aviação civil, privado de 33% de seu efetivo.

Um absurdo desses custa caro: calculou-se o prejuízo econômico em torno de US$ 8 bilhões por semana. Mas não será deste que falarei. Quero abordar o sofrimento humano, que tenho testemunhado através dos jornais de lá – e seja símbolo dele o caso da criança privada de tratamento quimioterápico porque o posto de saúde – assim como as escolas, museus, parques etc. – fechou!

Este quadro, certamente, é extremo – mas não único. Lugares outros há nos quais a vaidade da burocracia e a ilusão do poder ferem e matam. Pense, por exemplo, nas pessoas que morrem em estradas sem conservação porque a verba de manutenção não foi liberada. Reflita sobre o quanto custam obras paralisadas por conta de entraves burocráticos e querelas políticas – a eterna luta do Estado contra o Estado.

Dê uma passada pelo mundo das leis, contemplando as milhares de ações judiciais paradas por conta de incidentes processuais anacrônicos e excessivo apego a formalismos outrora majestosos, mas hoje ridículos.

Eis quando começamos a meditar sobre a imensa distância que separa a estrutura governamental do dia-a-dia das pessoas. Sobre a distonia entre as instituições e as ruas, a gritar, em tom abafado, “onde, afinal, fica Washington”?

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