Por onde anda a Princesa Isabel?

Dia desses, lendo um relatório da ONU segundo o qual existem neste civilizado planeta 21 milhões de escravos – não trabalhadores explorados, mas escravos mesmo – fiquei a pensar na saudosa Princesa Isabel, cujo ideal lhe custou a Coroa – mas não a alma. 

Chama a atenção o aspecto de que nunca, ao longo da caminhada da humanidade, existiram tantos escravos! Cada um deles custa, em média, R$ 180. Estatisticamente, 65% são do sexo feminino, e 50% crianças – o que torna ainda mais abominável a situação. 

De toda sorte, a escravos correspondem senhores. Onde estariam eles? Nas selvagens savanas africanas? Nas favelas latino-americanas? Nos cortiços indianos? Nas palafitas do sudeste asiático? Não. Estes novos senhores circulam em ambientes mais civilizados e sofisticados. 

Comecemos pelos EUA, país para o qual são traficados 14.500 escravos a cada ano. Há algum tempo, por exemplo, li em um jornal lá da Austrália um chocante relato sobre crianças, algumas com apenas sete anos de idade, trabalhando em plantações de tabaco norte-americanas. Elas trabalham sob o sol, sem equipamentos, enfrentando jornadas extenuantes ao longo das quais são comuns crises de vômito, náusea e dores de cabeça – por conta de estarem literalmente cobertas de pesticidas. 

Preocupados com a escravidão, os EUA denunciaram, há algum tempo, a existência de trabalhos forçados lá no Japão, cuja situação equipararam às do Afeganistão e Iraque. Quem diria, o Japão posto ao lado de tão seleta companhia! Segundo os EUA, apesar dos diversos relatos de pessoas trabalhando sem salário algum, sob condições desumanas, nenhuma vítima foi sequer identificada pelo governo japonês. 

E que dizer da Inglaterra, cujos vasos de guerra outrora cruzaram os mares altivamente, à cata de navios negreiros? O que dizer deste país, que um dia empunhou a nobre bandeira dos direitos humanos de forma tão resoluta? Com a palavra o respeitado jornal “The Sunday Times”, denunciando a existência de milhares de escravos forçados a trabalhar para fornecedores de poderosas redes de lojas, sob condições dramáticas. Ainda naquele país, um outro jornal, o “Express”, denunciou não faz muito tempo o caso das quase mil crianças traficadas para lá a cada ano, e obrigadas a trabalho escravo de natureza sexual. 

No tão rico Oriente Médio, celeiro do petróleo mundial, imigrantes viraram “propriedade” no lucrativo mercado de escravos local, conforme denúncias veiculadas por diversos órgãos de imprensa. Segundo a Anistia Internacional, eles tem sido “tratados como animais”. Deve ser verdade – li que enfrentam longas jornadas, sete dias por semana, sem salário, alimentação decente e sob um calor de 50º C. 

Enquanto isso, aqui neste tão solidário e humano país, a ONU descobriu 21.850 casos de escravidão entre 2003 e 2007 – li que outros 30 mil escravos ainda aguardam serem “descobertos”. 

A verdade é que esta chaga, a do tráfico de escravos, envergonha da Suíça ao Afeganistão, da China ao Sudão – algo bem retratado pelo Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), Yury Fedotov, segundo quem “ninguém é inocente” nesta seara. Transcrevo suas palavras: “quase todo país do mundo é cúmplice do tráfico humano, na medida em que cada um deles é origem, trânsito ou destino deste” – afinal, falamos de um “negócio” cujos lucros são estimados em US$ 32 bilhões anuais. 

Esta fala dá o que pensar, dado vivermos em um mundo no qual nossas conversas são ouvidas, nossas mensagens lidas, nossas vidas esquadrinhadas e nossas atividades acompanhadas diuturnamente pelos Estados – que, no entanto, paradoxalmente, não conseguem eliminar a desumanização de tantos humanos! Por que será? 

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