Um bom exemplo que vem de fora

Atribui-se ao saudoso economista Mário Henrique Simonsen um interessante pensamento a respeito do nosso país: “O bonde da história passa muitas vezes. O Brasil perdeu os últimos, mas haverá outros”.

Fiquei a pensar nesta frase há poucos dias, lendo uma interessante notícia publicada no jornal inglês The Times, sugestiva de que a estação pela qual passa o bonde pode ser a mesma na qual podemos pegar um trem. Confiram: “Os aviões deveriam ser substituídos por trens de alta velocidade nas viagens domésticas, declarou o Secretário de Transportes [da Inglaterra]”.

Além dos óbvios benefícios econômicos para o país, o Governo deu ainda um outro motivo para esta troca: “Dada a substancial redução na emissão de carbono e benefícios ambientais de caráter geral, é de absoluto interesse público que nós iniciemos a substituição sistemática dos aviões pelos trens de alta-velocidade”.

E os recursos para esta substituição? Eis a resposta: “Se nós considerarmos esta troca uma prioridade nacional, os recursos existirão. Caso contrário, não. É simples assim”.

Enquanto isto li na BBC, também inglesa, notícia sobre a nossa região retratando um triste contraste com este bom exemplo: “As demandas por transporte aéreo na América Latina demandarão a compra de 1.700 aviões que custarão US$ 120 bilhões nos próximos 20 anos, conforme estimou a empresa Boeing”.

O mais chocante, porém, veio a seguir: “A América Latina é vista como uma região atraente para a indústria aeronáutica … em função da sofrível rede de transportes e do crescente número de pessoas em condições de arcar com os custos de passagens aéreas”.

E lá vai o nosso Brasil sacolejando de carro e caminhão pelas esburacadas e caríssimas estradas que temos, ou então a bordo de não menos onerosos jatos, adquiridos a peso de ouro, que posam em nossos tão dispendiosos e muitas vezes obsoletos aeroportos.

Enquanto isso segue impávida nossa velha malha ferroviária! Temos 28.798 km, dos quais 10 mil construídos por D. Pedro II. Uns 7 mil km estão desativados, por falta de conservação. Some a isso equipamentos obsoletos e traçados igualmente inadequados ao século XXI, e conclua que quase 40% de nossa já ridícula malha ferroviária está em estado deficiente.

Por conta disso a velocidade média dos nossos trens é de apenas 20 km/h, contra 80 km/h dos similares norte-americanos – aliás, os EUA tem 14 vezes mais ferrovias que nós. Ou, utilizando uma outra comparação, o imenso Brasil tem uma malha ferroviária do tamanho da do pequenino Japão (o pior é que a semelhança está só no tamanho – esqueça o quesito “eficiência”).

Vamos a mais alguns números: os EUA transportam 25% de suas mercadorias por hidrovias, 50% por ferrovias e pouco menos de 25% por rodovias. Aqui no Brasil é o contrário: transportamos inacreditáveis 70% do que produzimos por rodovias, no lombo de caminhões caríssimos produzidos por empresas transnacionais.

Por conta de um tráfego tão intenso em nossas estradas, 600 mil brasileiros morreram nelas nos últimos 20 anos. E nas próximas duas décadas? Quantos morrerão? Outros 600 mil? 800 mil? Um milhão? Eu? Você? Nossas famílias?

Fico a pensar se Roberto Campos tinha em mente esta realidade, que já data de décadas ou mesmo séculos, quando exclamou que “a burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro promissor”.

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