Um retrato do nosso futuro

Rosineide é uma criança brasileira, moradora de um dos milhões de barracos que existem no nosso país. Dia desses, entrevistada ao acaso por um jornalista que fazia uma matéria sobre a pobreza, ela conseguiu resumir em uma frase o que tem sido a sua vida: “os ratos daqui parecem tatus e correm pelas paredes. De noite, comem tudo o que estiver em cima da mesa”. É isso aí. Rosineide disputa alimentos com os ratos. Aliás, com frequência ela própria vira a comida e acaba sendo mordida por algum roedor esfomeado.

Rosineide não está sozinha. Segundo um levantamento da Fundação Getúlio Vargas, 45% dos indigentes brasileiros tem menos de 15 anos de idade. Isto significa que temos sobre o solo deste Brasil tão rico quase 23 milhões de jovens miseráveis na mesma situação de Rosineide.

Rosineide não tem apenas fome. Ela também tem sede – e sede que dificilmente será saciada, dado que, segundo a ONU, um terço de nossas crianças não tem acesso a água potável. Se todas estas crianças pudessem simplesmente beber água potável teríamos milhões de casos de mortalidade infantil e desnutrição a menos nos envergonhando.

Por conta destas péssimas condições, com frequência Rosineide fica doente. Pobre Rosineide – certa vez li, em A Tribuna, o quão comum é os pais esperarem até oito horas nas tristes filas dos nosso sobrecarregados hospitais para conseguirem um simples atendimento. De vez em quando, contrariando aquele ditado segundo o qual “quem espera sempre alcança”, uma delas acaba morrendo na fila.

Rosineide, seguramente, gostaria de poder estudar de forma decente. Porém, vítima de tantos infortúnios, ela acabará engordando aquela estatística segundo a qual, em cada grupo de 100 crianças, 41 não concluirão sequer o ensino fundamental. Talvez seja por causa disso que 68% dos brasileiros entre 15 e 64 anos não conseguem ler nada além de um anúncio de cinco palavras, conforme constatou o respeitado IBOPE.

E é assim que Rosineide passa cada vez mais tempo pelas ruas. Com ela, uma massa de 50 mil crianças que perambulam diariamente pelas grandes e ricas cidades brasileiras pedindo esmolas. O mais chocante, sobre este verdadeiro Exército de Miseráveis, é que quase a metade deles tem menos de seis anos de idade.

Seguramente, Rosineide não gostaria de passar a vida pedindo esmolas. Ela gostaria de trabalhar. E lá está ela catando lixo em algum dos grandes lixões brasileiros – aliás, 22% dos mais de 25 mil catadores de lixo têm menos de 14 anos.

Mas, pensando bem, trabalhar para que? Afinal, segundo o IBGE, 48,6% das crianças entre 5 e 14 anos que trabalham no Brasil simplesmente não ganham nenhuma remuneração. A propósito merece ser relembrada uma pesquisa divulgada em 2003 pela Organização Internacional do Trabalho, segundo a qual o Brasil tinha 5,5 milhões de crianças trabalhando, a metade delas sem receber. A jornada de trabalho destes escravos, digo, crianças, não é pequena – no mínimo 40 horas semanais. Claro, há também aquelas crianças, digo, escravos, que recebem remuneração – precisos 41,5% deles, que ganham no máximo meio salário mínimo.

Enquanto isso, nos últimos cinco anos, o Brasil destinou R$ 851 bilhões só para pagar os juros da dívida pública – é como se cada brasileiro tivesse desembolsado uns R$ 4,57 mil, Rosineide incluída. Apenas em 2007 os juros pagos pela Administração Pública chegaram a R$ 160 bilhões, ou 7,66% do PIB, ou mais de 15 vezes o que se gastou com o programa Bolsa-Família. Acentuo, para máxima clareza: o sacrifício de Rosineide e de tantos outros brasileiros só serviu para pagar os juros – a dívida pública, esta continua firme e inabalável!

Dizem que as crianças são o amanhã, e que o Brasil é o país do futuro. Pode ser. Mas temo que estejamos ignorando o tão sábio conselho de Winston Churchill, segundo quem “cidadãos saudáveis são o maior bem que qualquer país pode ter”.

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