Uma boa dúvida

Dia desses, cumprindo a rotina diária de ler o jornal “The Japan Times”, deparei-me com uma interessante carta de dado leitor, mencionando o episódio da prisão do executivo brasileiro Carlos Ghosn, ex-presidente da Nissan. Transcrevo-a a seguir, em tradução livre.

“Enquanto Carlos Ghosn foi mantido preso por mais de 100 dias, diversos crimes e transgressões praticadas por executivos e governantes japoneses foram expostos – incluído o escândalo denominado “Leo Palace 21” e a manipulação de estatísticas no Ministério de Bem-Estar, Saúde e Trabalho, dentre muitos outros”.

“As contradições e falta de critérios, nunca noticiadas, nos causam perplexidade – e, principalmente, espanto pelo motivo de certas questões nunca serem postas. Por qual motivo certas pessoas são presas, interrogadas, indiciadas e eventualmente condenadas? E por que outras, que nos governam, nunca são presas, confinadas e repetidamente interrogadas até que os resultados desejados sejam arrancados à força, digo, obtidos?”

Dediquei-me a uma pequena pesquisa. O tal escândalo “Leo Palace 21” é relativo a uma empresa que teria construído milhares de apartamentos abaixo dos parâmetros mínimos de qualidade e segurança exigidos, destinados a pessoas de baixa renda. Anunciou-se uma inspeção rigorosa em mais de 30 mil deles – e, efetivamente, até onde li, ninguém havia sido preso.

Passei a verificar, mais de perto, os contornos da tal manipulação de estatísticas. Segundo o mesmo jornal, “dados imprecisos sobre trabalho e salários utilizados por mais de uma década resultaram em pagamentos a menor de benefícios para mais de 20 milhões de pessoas”. Um dos investigadores declarou ser este “um escândalo sem precedentes abalando a confiança da população nas estatísticas governamentais”. Também aqui, até onde acompanhei o caso, não foram registradas prisões.

Fiquei a meditar sobre a carta do tão inconformado leitor japonês. Levantei-me e fui à janela. Contemplei as prisões do nosso país, habitadas quase que exclusivamente pelos socialmente mais fracos. E subitamente percebi a amplitude do seu questionamento: ou o sistema legal da humanidade está a negar aos mais fracos direitos que lhes assistem, sendo assim covarde, ou a conceder aos mais fortes direitos que não lhes assistem – sendo, assim, cúmplice. 

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