Uma homenagem à minha professora

É curiosa, a vida. Hoje nos coloca aqui, amanhã nos leva para lá. Pessoas chegam e vão, passando diante da janela de nossas almas em uma marcha incessante – algumas mais lentamente, outras nem tanto, mas todas de passagem.

Esta constatação, a de que as coisas da vida passam, e passam muito depressa, nos impõe uma reflexão sobre nossa existência – a nossa, a de cada um de nós.

Buscando uma resposta para tão profunda questão espiritual, há alguns milhares de anos um desconhecido sábio, no distante Oriente, desenvolveu um conceito denominado “setsu, getsu, ka”. Trata-se de uma construção singela, até óbvia demais. Mas talvez esteja aí, na simplicidade dos conceitos, o necessário contraste com uma atualidade a cada dia mais complexa e incompreensível.

Sim, talvez seja interessante, durante alguns momentos, um retorno à simplicidade das eras passadas, em busca de conceitos pequenos e eternos que nossa civilização tem condenado ao esquecimento.

Inicio pela palavra “setsu”, que designa a neve – e através dela as estações do ano, em última análise o infinito passar do tempo. Esta figura, tão simples, deveria nos lembrar o quão efêmeros somos! Sim, o que somos nós diante de tantos séculos e milênios, diante da eternidade? Nada, absolutamente nada!

Mas não somos apenas efêmeros – também a fraqueza nos caracteriza. Sobre isto vem a segunda expressão, “getsu”, representando a lua, e com ela o universo infinito, a nos lembrar de nossa pequenez. O que somos nós diante da imensidão do mundo – esta pequena bolinha que povoa, juntamente com bilhões ou trilhões de outras, aquilo que chamamos “universo”?

Esta, sem retoques, a realidade da nossa existência: efêmera e pequena. Somos efêmeros diante da eternidade, e pequenos perante o infinito. Daí, conclui a curiosa figura oriental, devermos buscar alguma inspiração nas flores – “ka”, em japonês. São elas igualmente singelas e frágeis, mas buscam cumprir a pequena missão de, durante alguns poucos instantes, suavizar a vida em algum cantinho insignificante deste planeta.

Há alguns dias despedi-me de uma dessas flores. Conheci-a nos bancos escolares, lá no curso primário – eu era uma das crianças travessas que ela desveladamente ajudou a alfabetizar e formar. Sempre com paciência e ternura, não exercendo autoridade outra que a moral, pelas letras tortas dos cadernos de caligrafia nos ajudou a escrever de forma reta no livro da vida.

A ausência de qualquer um de nós era motivo de preocupação. Não poucas vezes eu a vi telefonando para a mãe de dado colega faltoso, ou mesmo indo à sua casa, buscando saber se havia algum problema – afinal, éramos todos seus alunos queridos!

Os anos se passaram. Aquelas crianças, a vida levou e espalhou pelo país afora. Algumas optaram pela medicina, outras pela engenharia, e houve até quem escolhesse o mundo das leis. Mas todas, sem exceção, foram vencedoras em suas áreas.

Desconfio que esteja aí a maior recompensa – talvez mesmo a única – do sacerdócio que é ensinar. Já idosa, via em seus olhos um brilho quase infantil quando encontrava algum de seus antigos alunos pelas ruas ou nas missas dominicais da Igreja do Carmo.

Cena sublime, a da expressão de felicidade de uma velha professora celebrando a vitória daquelas crianças que com tanto carinho ela ajudou a formar! É com esta imagem na memória que nos despedimos da eterna mestra e amiga. Muito obrigado por tudo, Professora Wanda Ayrola Barcellos!

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