Uma revolução silenciosa

Dia desses, dando expediente lá no Tribunal de Justiça, fiquei a pensar em uma deliciosa frase atribuída a Henri Leason: “dê o Saara a um tecnocrata e em cinco anos o deserto estará importando areia”.

E lá estava eu, empunhando uma caneta para assinar a decisão em um processo relativo a R$ 0,51 – sim, cinquenta e um centavos! O dito cujo, por sinal, já estava bem “gordinho”, pesando uns bons três quilos.

Durante alguns minutos fiquei sentado, imóvel, olhar perdido, meditando sobre o quanto custa a movimentação de um absurdo daqueles, em termos financeiros e humanos – isto em plena era da morosidade e ineficiência do mundo das leis. E não estou falando de uma raridade – são milhares de processos assim tramitando pelo país afora!

Mas eis que, aqui no Espírito Santo, inicia-se uma revolução silenciosa – há poucos dias o Tribunal de Contas emitiu uma nota recomendando aos gestores públicos que não sejam objeto de execução judicial dívidas envolvendo valores ínfimos.

Feitas as contas preliminares, constatei que somente por conta deste ato, fruto da mais apurada visão de estado, dezenas de milhares de processos judiciais deixarão de existir, ensejando uma economia de milhões aos cofres públicos.

Mas esta não é a única revolução em marcha – há uma outra, igualmente silenciosa e pouco divulgada, que brevemente renderá frutos maravilhosos. Refiro-me à construção da rede estadual de fibra ótica pelo Poder Executivo Estadual.

Eis aí uma daquelas iniciativas que não ensejam descerramento de placas ou fotografias vistosas – à semelhança do que acontece com obras de saneamento básico, “não dão voto”. Mas dão desenvolvimento e qualidade de vida!

Começo pelo simples transporte de documentos, que dentro em breve poderá passar a ser digital. Pouca coisa? Pense duas vezes: pelo Forum de Vitória tramita um processo com 800 volumes, medindo 9,5 metros de altura – e não é, seguramente, o maior que temos. Imagine tudo isto circulando por meio digital!

Há também a segurança pública. Atualmente, por incrível que pareça, é comum que uma viatura policial vá de um município a outro só para levar um Auto de Prisão em Flagrante de uma delegacia para um juizado. Isto cria morosidade – que traz a reboque a impunidade que nos inferniza a todos. Pense no que ganharemos quando as comunicações entre órgãos e poderes for feita por via eletrônica!

Ainda sobre segurança pública, hoje é difícil sabermos quem é quem – descobri que só o Setor de Papiloscopia da Polícia Civil lida com 400.000 fichas de papel. Nossos promotores e juízes não tem como acessá-las em tempo hábil. Por sua vez, policiais não conseguem acessar de forma eficiente os bancos de dados do Poder Judiciário. E, lá no meio desta “Torre de Babel”, o povo a clamar, com Castro Alves: “lei, ó lei, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes?“ Pois é. Reflita sobre quantas vidas serão salvas e quanto sofrimento humano reduzido graças a esta revolução!

Há um jornalista francês, Émile de Girardin, segundo quem “todos falam de progresso, mas ninguém sai da rotina”. Eis aí uma daquelas frases que, em maior ou menor grau, cabem sobre cada um de nós. É quando assume especial relevo as duas iniciativas descritas, porquanto encetadas em um país dos mais burocratizados do planeta, amante declarado do papel, dos carimbos e das formalidades inúteis.

Assim, nossos parabéns ao Tribunal de Contas e ao Poder Executivo Estadual!

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