A criançada está feroz

Dia desses li em “A Tribuna” uma interessante reportagem sobre violência nas escolas. Mencionava-se desde tráfico de drogas até agressões a professores, passando por crianças torturadas pelos próprios coleguinhas. Comentando esta reportagem com um conhecido, dele ouvi a seguinte observação: “isto tudo é decorrente da pobreza do povo. No 1º Mundo não é assim”.

Então é isso! A culpa é da pobreza dos brasileiros! Mas vamos lá: não faz muito tempo li na respeitada BBC News a seguinte notícia: “Um professor é verbal ou fisicamente agredido a cada sete minutos na Inglaterra. Destes, 25% se declararam vítimas de lesões corporais”. Realço, para máxima clareza: estes números não foram retirados de nenhuma favela brasileira, mas de Cambridge! Na notícia lia-se ainda que “professores se disseram vítimas de socos e chutes de crianças de apenas 7 anos de idade”.

Seria a rica Inglaterra um caso isolado? Não. Vejamos recente notícia que li no jornal “The Japan Times”: “um estudo revelou que o número de agressões a professores cresceu 38% em 2005. As agressões incluem segurar os professores pelo pescoço e jogar cadeiras neles”. Acentuo: isto não acontece em nenhum subúrbio brasileiro, mas em Tóquio.

Continuei a pesquisa em meu “Banco de Dados”. E descobri uma reportagem do sério “The New York Times”, descrevendo os rigorosos procedimentos de revista de crianças na entrada de diversas escolas norte-americanas: raios-x, detectores de metal e até inspeção corporal – tudo para evitar que crianças entrem portando armas. Aliás, o caso dos Estados Unidos da América dispensa maiores comentários, dados os freqüentes casos de homicídio naquele país registrados. A propósito, uma curiosidade: dada empresa de lá está vendendo mochilas escolares à prova de balas (li isso na rede Sky News).

E na Alemanha? Cheguei a encontrar o caso de alunos que invadiram uma sala de aula e deram uma surra no professor só para roubar-lhe a pauta de correções de provas (eles haviam tirado notas baixas e temiam ter que repetir de ano).

Isto tudo pode ser resumido em uma frase: “a criançada está feroz”! E não é só nas escolas. Na Romênia um garoto de 9 anos, oriundo de uma família de intelectuais, foi internado pela quarta vez no hospital Grigore Alexandrescu, de Bucareste, por “overdose” de heroína. Os médicos declararam que “quase todos os menores que se drogam têm pais com condições financeiras acima da média”, e informaram que apenas naquele hospital são registrados anualmente uns 1.300 casos de coma entre crianças devido ao consumo de drogas.

Vistos estes exemplos, acredito que a conclusão seja óbvia: o problema é mundial e muito sério, pouco tendo a ver com a simples “pobreza do povo”. Como explicá-lo, então? Talvez o começo da resposta esteja no editorial de uma das edições do jornal “The Japan Times”: “A urbanização e o colapso da convivência familiar privaram as crianças de espaços físicos e sociais onde eles se sentiam queridos e onde podiam desenvolver amizades. E os pais estão tão preocupados com o tempo e perturbados pelo trabalho que já quase não interagem com seus filhos. Muitas crianças que se tornam violentas carregam um profundo sentimento de terem sido negligenciadas ou ignoradas”.

Some-se a isto um alerta da Associação Americana de Psicologia, no sentido de que antes de completarem o 1º grau as crianças norte-americanas já viram 8.000 assassinatos e 100.000 atos de violência na TV. Complementarmente, a Escola de Medicina de Nova York comprovou que crianças que assistem cenas de violência e jogam videogames violentos são 11 vezes mais propensas a apresentarem comportamentos agressivos.

Aí a conta fica simples – é só somar os fatores acima expostos, chegar ao resultado de que nosso modelo de sociedade está defeituoso e dar razão a Joubert, quando exclamava que “as crianças têm mais necessidade de modelos do que de críticas”.

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