O cassetete democrático

Dia desses li, na coluna “Cidade Aberta”, um pensamento curioso: “a imprensa livre e sem censura é o cassetete democrático de nossos dias”. Esta frase, muito bem colocada pelo conceituado e bem-humorado articulista Pedro Maia em um de seus bons escritos diários, me induziu a uma reflexão: por qual motivo a imprensa tem esse poder? O que há, no final das contas, em um jornal?

A resposta pode ser traduzida em uma única palavra: transparência. A propósito, li na revista “Science” os resultados de uma curiosa pesquisa: homens e animais agem de forma diferente quando sentem que estão sendo observados, e chegam a tentar esconder seus defeitos. Segundo os pesquisadores constataram, até os peixes fazem isso.

Curiosamente, esta lição tão clara não tem sido observada em nosso serviço público, com imensos prejuízos para a população. Darei um pequeno exemplo: a esmagadora maioria da população mundial protesta – e com razão – contra a lentidão do Judiciário. Reclama-se, por exemplo, que “a Justiça está com um dado processo há vários anos sem decidi-lo”. Pode ser. Mas quem é esta “Justiça”? Apenas um ente imaterial criado pela falta de transparência, um “saco de pancadas” perfeito que não tem voz ou rosto, atrás do qual esconde-se a ineficiência de alguns poucos.

Assim, que tal “darmos nome aos bois”? Imagine-se a verdadeira revolução que seria a divulgação pela Internet, em tempo real, de quantos e quais processos estão em cada setor do Poder Judiciário, há quanto tempo e para qual fim. Se houver algum processo parado há anos, o culpado terá nome certo e determinado – como também terão nome aqueles tantos que, pelo mundo afora, conservam seus juizados e cartórios sempre “em dia”.

E vou além: os problemas do sistema judicial seriam identificados de forma muito mais clara e eficiente se houvesse tal transparência. Todos perceberiam imediatamente onde faltam recursos materiais e humanos, ou quais medidas seriam necessárias para o bom funcionamento da instituição.

Aplique-se este raciocínio a outros setores da Administração Pública, e calcule-se o quanto ganharia a população em termos de capacidade de fiscalização e acompanhamento do serviço público. Fazer isto é simples – a tecnologia já existe e não é cara.

Aliás, sistemas assim têm sido utilizados há anos nas empresas privadas. Conheci um através do qual uma única pessoa, dentro de uma sala, é avisada automaticamente por imensos painéis de computador sobre problemas que afetem qualquer um das centenas de escritórios da empresa pelo mundo, desde congestionamento de linhas telefônicas até falta de recursos materiais ou humanos. Eis aí um exemplo de transparência e eficiência gerencial.

Enquanto isso, em um triste contraste, nosso serviço público continua na era dos “balcões de informação”, “agentes públicos sem rosto”, carência de estatísticas confiáveis e desperdício generalizado de recursos materiais e humanos.

A Inglaterra é um país rico, cuja boa infra-estrutura permite à Administração Pública atingir níveis razoáveis. Pois bem: li no jornal “The Times” os resultados de uma pesquisa segundo a qual perde-se lá anualmente, apenas em função da ineficiência dos serviços públicos, inacreditáveis 140 bilhões de dólares! E no resto do continente muito mais – transcrevo uma parte da notícia: “Um estudo de economistas do Banco Central Europeu concluiu que centenas de bilhões de libras poderiam ser economizadas na Europa a cada ano se o serviço público melhorasse e se tornasse tão eficiente como o dos EUA ou o do Japão”.

Fico a pensar, sonhando com o “cassetete democrático” da transparência, sobre o resultado de pesquisa similar realizada no Brasil! Qual seria o preço de nossa ineficiência? Milhões? Bilhões? O custo daquele hospital que algum dia salvaria nossas vidas? Ou o daquela ferrovia que evitaria a morte de nossas famílias em alguma péssima estrada? É, talvez o preço seja mesmo vivermos alguns anos a menos…

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