A deficiência física e a moral

Poucos capixabas sabem disso, mas o segundo mais frequentado ponto turístico do Espírito Santo é a fábrica de chocolates da Garoto, em Vila Velha. Há poucos dias fui lá, conhecer a linha de produção  – um fascinante roteiro aberto ao público.

Mas não foram os chocolates que cativaram o melhor de minha atenção durante a visita. Antes, atraiu-me a curiosidade um interessante telefone para surdos. Sim, estava ali, naquele aparelho instalado em um cantinho da fábrica, o ponto alto daquela manhã que lá passei.

O telefone é simples, porém engenhoso ao extremo: tem teclado e tela, possibilitando que as mensagens sejam digitadas e lidas pelos portadores de surdez com a ajuda de um operador. Considero-o a prova de que, com um mínimo de boa vontade, é possível suavizar a vida de muitos semelhantes nossos.

Lamentavelmente, no entanto, no mais das vezes a única consideração que a humanidade teve com aqueles que outrora eram conhecidos como “aleijados” ou “deficientes físicos” foi passar a chamá-los de “portadores de necessidades especiais”, e olhe lá.

Estaria eu exagerando? Talvez não. Começo pela estatística, simples e reveladora, de que aproximadamente 70% da população mundial portadora de necessidades especiais vivem da pobreza, sem acesso a direitos básicos como saúde e educação. O mais grave: são pessoas que tendem a ser cada vez mais pobres e “invisíveis” aos olhos do restante da humanidade.

A quem não gostar de números e estatísticas, recomendo um simples passeio pelas calçadas da esmagadora maioria das cidades do planeta. Olhe com atenção os buracos e imperfeições do piso, calcule que dinheiro há – e sempre houve – para corrigir isto, considere o sofrimento imposto aos cegos e paraplégicos que por elas transitam e conclua existir apenas uma palavra para descrever este quadro: indiferença!

Se alguém imaginar ser a palavra “indiferença” muito forte, recomendo uma rápida viagem pelo planeta. Poderíamos começar pela Espanha, país no qual uma empresa de ônibus deixou ao arbítrio dos motoristas decidir se poderiam ou não conduzir portadores de necessidades especiais, conforme a conveniência do momento. Há também o triste caso do cidadão que não conseguiu retirar dinheiro de sua conta bancária  em uma agência de um banco norte-americano, em Tampa, na Florida, por não ter podido assinar ou fornecer suas impressões digitais – o pobre correntista não tinha os dois braços, fato que sequer levado em conta foi pelos zelosos funcionários! Eis aí uma situação que foi fruto do que mais, senão a mais profunda e abjeta indiferença?

Claro, há também os bons exemplos! Em Tóquio, no Japão, um sistema de trilhos de borracha instalado nas calçadas “guia” os cegos praticamente pela cidade toda. Na Coréia do Sul, telefones celulares já dispõem de telas adaptadas para o sistema braille. Aqui mesmo no Brasil proliferam os ônibus com elevadores especiais, e multiplicam-se as rampas em substituição às escadas. Mas a verdade é que há, ainda, um longo caminho a ser percorrido – um simples lançar de olhos pelo planeta comprova esta verdade tão simples.

O fato é que certamente é chegado o momento de sacudirmos a poeira do passado e olharmos com maior atenção as palavras de Hubert Humphrey: “no fundo, uma sociedade deve ser julgada pela forma como trata as crianças, os idosos e os deficientes de todo tipo”.

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