Naqueles tempos…

Há poucos dias terminou a Semana Santa, uma excelente época para reflexão sobre o mundo de hoje e aquele que nos descreve a Bíblia. Naqueles tempos condenava-se alguém à morte em função dos crimes mais banais, e a crueldade das execuções era algo absolutamente normal.

Eis que, decorridos mais de dois mil anos, adentramos no século XXI. Já fomos à Lua. Preparamo-nos para ir a Marte. Computadores os mais modernos simplificam nossas vidas de forma fascinante, ampliando como nunca antes nossos limites.

Surpreendentemente, porém, em um chocante contraste, nosso sistema penal permanece quase o mesmo! Pouco, ou quase nada, mudou! Ouso dizer que, em alguns casos, ele até piorou. Estaria eu exagerando? Lamentavelmente, penso que não.

Comecemos pela crucificação, símbolo maior das atrocidades de uma época. Ela ainda é utilizada – com frequência, sob as vistas de multidões, e agora flagelando até os mortos! Que o diga um ladrão da Arábia Saudita, há poucos meses condenado a ser decapitado e em seguida crucificado em praça pública, sob as vistas de sua própria cabeça. Nos tempos bíblicos, as famílias podiam ao menos sepultar seus entes queridos após a morte. Hoje em dia, não mais: a condenação daquele infeliz ladrão obrigava a permanência deste espetáculo macabro, encenado em praça pública, por três dias inteiros.

Havia também, naqueles tempos, o apedrejamento – que continua, firme e forte! Vide a pobre mulher somaliana condenada a morrer desta forma, após ter sido julgada por adultério. Houve, porém, uma diferença: nos dias atuais tomou-se o cuidado da seleção das pedras – nem tão grandes que matassem logo, nem tão pequenas que não causassem dor aguda. No mais, a execução foi a mesma festa popular dos tempos bíblicos.

Alguém poderia dizer que estes são exemplos isolados vindos de países reputados atrasados. Não, estes não são exemplos isolados – são rotina. E a crueldade destes exemplos é a mesma do resto do mundo – onde ela mostra-se talvez mais refinada, porém não menos bárbara.

Vejamos, por exemplo, os Estados Unidos, país no qual as tenebrosas cadeiras elétricas, nos últimos anos, deixaram em chamas a cabeça de um condenado, e causaram a outro queimaduras intensas durante cinco minutos, durante os quais o infeliz gritava e se debatia sob as vistas impassíveis dos legionários romanos, digo, dos agentes da lei e da justiça. O horror chegou a um grau tal que um juiz da Suprema Corte, ao proibir este tipo de execução, declarou que “não se podia castigar a crueldade com mais crueldade”.

Passou-se, então, às injeções letais. Mas a barbárie continuou. Que o diga Romell Broom, massacrado com a aplicação de dezoito delas – todas infrutíferas. O que era para ser uma execução virou uma sessão de tortura capaz de ruborizar o mais impiedoso crucificador romano.

Aliás, nem aqueles romanos bárbaros ousavam executar crianças e loucos – coisas que nos nossos tempos foram encaradas como normais. Inclusive, nesta rubrica, é emblemático o caso de Charles Singleton, um doente mental lá do Arkansas (EUA), que foi tratado até que ficasse são o suficiente para ser executado.

E é assim, ao final de mais uma Semana Santa, que bem podemos recordar a crueldade dos legionários romanos e a frase de Oscar Wilde: “uma sociedade embrutece mais com o uso habitual de castigos do que com a repetição dos delitos”.

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