A doença da saúde

Há uma semana foi lançada a Campanha da Fraternidade de 2012. O tema não poderia ser mais adequado: saúde. Dizem alguns que a saúde vai mal por conta da falta de recursos. Discordo. E peço licença para sustentar minha discordância viajando pelo planeta.

Começo meu “tour” pelas Filipinas. Constatou-se, naquele país, que um aumento de 10% nos níveis de corrupção reduziu a taxa de imunização infantil em 20%. De lá fui para a Bulgária, país no qual alguns médicos exigem dos pacientes “pequenos pagamentos informais ou presentes”, variando de US$ 10 a até US$ 1.000, em troca de um tratamento que deveria ser gratuito.

Minha escala seguinte seria Genebra, cidade na qual a ONG Transparência Internacional anunciou que a corrupção no setor de saúde em escala mundial chega a 15% dos US$ 3 trilhões correspondentes a seu gasto total. Segundo pesquisa realizada, as maiores vítimas desta falta de honestidade são os pobres, idosos e crianças.

Fui para o Reino Unido, onde descobri que medidas mais severas de controle reduziram a sangria causada pela corrupção e desperdício – conseguiu-se chegar ao “módico” valor de US$ 300 milhões.

Nos Estados Unidos da América, estima-se que 5% a 10% do orçamento da saúde seja desviado pela corrupção – o mesmo índice do distante Camboja. Na Rússia, inacreditáveis 56% dos atendimentos médicos do setor público somente acontecem após pagamento de propina.

Ainda sobre os EUA, descobriram que 90 mil representantes de indústrias farmacêuticas passam o ano distribuindo agrados e presentes para os médicos. Não satisfeitos, aqueles cavalheiros gastam anualmente US$ 2 bilhões financiando eventos e almoços para os gestores da saúde – que devem estar bem gordinhos…

Em Honduras uma investigação concluiu que 2,4% dos trabalhadores da saúde pública eram “fantasmas”. No Peru desviaram 71% dos valores destinados a um programa de fornecimento de leite para doentes. Em Uganda estimou-se que 70% dos medicamentos distribuídos pelo governo são desviados.

Na Polônia, 30% dos pacientes da rede pública só conseguem atendimento mediante propina. Em Latvia, 25% dos pacientes pagam propina pelo menos uma vez durante o tratamento, e 5,7% deles durante cada visita do médico. No Quirguistão, 50%. No Casaquistão, 30%.

Fiquei curioso: diante de tamanho descalabro, como situa-se o Brasil diante do mundo? Constatei que, de norte a sul, a corrupção, o desperdício e a má gestão desviam do dinheiro público investido na saúde a cifra milionária de R$ 426,4 milhões. O valor equivale a 25,1% dos R$ 1,69 bilhão repassados pelo Ministério da Saúde, de 2003 a 2008, a 1.341 municípios. Estes dados são oficiais, e constam dos relatórios da Controladoria-Geral da União.

Busquei dados mais atualizados. E cheguei a um relatório do Tribunal de Contas da União segundo o qual o governo federal, sozinho, perdeu R$ 2,3 bilhões em função do desvio de verbas que deveriam ter sido encaminhadas para a saúde nos últimos 9 anos. Detalhe: este valor é relativo apenas às 3.205 fraudes constatadas, e não incluem aqueles casos de difícil apuração.

Alheio a tudo isso lá está, largado em um corredor imundo de algum hospital público deste planeta, um semelhante nosso. De vez em quando ele é filmado em alguma reportagem, transferido para longe dos olhos dos eleitores, digo, do povo, mas logo o assunto é esquecido – e ei-lo de volta ao martírio.

Diante de tudo isto, cheguei a uma conclusão: a saúde vai mal porque a humanidade adoeceu.

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