A falta de um bom cobrador

Você sabe o que é uma “execução fiscal”? Segundo consta, trata-se de um procedimento especial através do qual a Fazenda Pública cobra de contribuintes inadimplentes, através do Poder Judiciário, o que lhe é devido. 

Em princípio, nada há de errado neste direito conferido à União, aos Estados e aos Municípios – afinal, estão simplesmente cobrando uma dívida. O problema, como veremos a seguir, é que na prática criou-se um monstro. 

Para início de conversa, estas tais “execuções fiscais” representam nada menos que 43% (sim, quase a metade) dos processos em tramitação pelo Poder Judiciário – transformado, sem exageros, em um prosaico cobrador. 

Tomemos o exemplo de Brasília: por lá tramitam cerca de 340 mil ações de execução fiscal, que representam 52% dos processos entregues aos juízes. Se nenhuma nova ação fosse proposta a partir de hoje, as que lá estão só se esgotariam após 20 anos! 

A propósito, não faz muito tempo descobriram lá no Rio de Janeiro um juizado pelo qual tramitam 820.000 processos, praticamente todos de cobrança. Entrevistada, a juíza responsável registrou ter havido ano no qual o Município iniciou nada menos que 300.000 novas ações. 

Por conta de tudo isso, segundo estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o tempo médio de tramitação de cada processo de execução fiscal é de oito anos, dois meses e nove dias – sem incluir a possibilidade de recursos, que, se considerados, aumentariam o tempo médio para 16 anos. 

Sabe quanto isto custa ao Brasil? Pasme: o valor do que é cobrado, apenas no âmbito federal, corresponde à metade do PIB nacional! E a União, por conta desta balbúrdia processual criada, somente consegue recuperar 25,8% do que lhe é devido. 

Uma outra faceta desta surrealista situação: se considerarmos que a tramitação de cada execução fiscal tem um custo para o país, o IPEA concluiu que esta apenas seria economicamente viável a partir de R$ 21.731,45. Ou seja: cobrar menos que isso é prejuízo para as contas públicas em geral! 

Chama a atenção que tudo isto acontece não em lugares atrasados ou em momentos perdidos de algum passado distante – o lugar é nas mais modernas cidades deste Brasil tão emergente, e o tempo é agora, em pleno século XXI! 

Dizem alguns que este quadro irá piorar. Há, por exemplo, um cálculo do Conselho Nacional de Justiça segundo o qual teremos, em 2020, mantido o ritmo de abertura de processos registrado nos últimos anos, 114,5 milhões de ações à espera de julgamento. 

Você vê alguma lógica nesta confusão toda? Você a compreende? Você vê algum sentido em tudo isso? Não? Então parabéns: sem ser “doutor das leis”, sua visão sobre a realidade do mundo jurídico é absolutamente lúcida e clara. Você percebe, apesar de não ser do ramo, e talvez por isso mesmo, o mal que a burocracia cega causa a todo um povo. 

A propósito, segundo calculou o IDESP, se a eficiência do sistema jurídico brasileiro fosse elevada aos padrões dos países mais desenvolvidos, o volume de investimentos aumentaria 10,4%, a produção seria elevada em 13,7% e a oferta de empregos seria 9,4% maior que a atual. 

Resistimos, porém, a verdadeiramente mudar não o Poder Judiciário, e fique isto bem claro, mas todo o nosso sistema jurídico. Mudanças, quase que só daquelas a que se referia Benjamin Disraeli: “mudar, mudar sempre, a fim de que as coisas continuem sempre as mesmas”. 

Mas mudemos de assunto. Falemos de tartarugas. Dizem que elas não sobem em árvores. Assim, se encontrarmos alguma passeando bem no alto, sobre algum galho, com certeza alguém a colocou lá, e por alguma razão. É quando, em perfeito “tartaruguês”, fico a me perguntar se não há muita lógica na loucura acima exposta… 

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