A obstrução de lá e a de cá

Dia desses meditava sobre o quão importante é a correta aplicação das leis. Eis aí algo de claro interesse público – vale dizer, que vai muito além de quaisquer anseios, pessoais ou profissionais, isoladamente considerados. Falamos, afinal, da base de qualquer civilização, de um esteio sagrado demais para ser amesquinhado.

Contemplando esta realidade, faz parte da rotina de países economicamente mais desenvolvidos a repressão a todo e qualquer ato que importe em dificultar a aplicação das leis. Vamos a um exemplo, pitoresco até: não faz muito tempo, um motorista canadense conduzia seu veículo por uma rodovia próxima a Toronto, quando foi parado para fiscalização pela polícia.

Diante da visão do “bafômetro” que o policial portava, e dado ter ingerido bastante álcool, este motorista recordou-se de ter ouvido que engolir uma moeda fraudaria o exame – uma absurda lenda urbana, mas à qual ele decidiu se apegar.

E foi assim que, diante de um atônito agente da lei, este cidadão devorou uma moeda – para ser preso, logo em seguida, não apenas por dirigir embriagado, mas também por buscar dificultar a justa aplicação de uma lei.

Do outro lado do Oceano Atlântico, no Reino Unido, um outro motorista protelou, durante longos cinco anos, o pagamento de uma multa de trânsito de 60 Libras, argumentando, de forma comprovadamente mentirosa, não ter sido ele o autor da infração. O dito cujo chegou a mudar de nome, buscando não ser mais localizado! Eis que a multa acabou sendo o menor de seus problemas: viu-se condenado, por obstrução do curso da justiça, a cumprir nove meses de prisão e a pagar 1,2 mil Libras.

Naquele mesmo país, e pelo mesmo motivo, um advogado foi preso. Segundo consta, ele teria aconselhado seu cliente a “fingir-se de doente” para escapar de uma pena. A mensagem que ficou foi clara: o sagrado dever de defender direitos existentes não pode ser confundido com a criação de outros inexistentes, com a busca da impunidade a qualquer preço, o que colocaria em risco todo o sistema legal do país.

Mas talvez o exemplo mais veemente seja o de Chris Huhne, membro do Parlamento inglês e Ministro de Estado. O dito cujo cometeu uma infração de trânsito: dirigiu seu veículo 32 km/h acima do limite. Tentando não ter seu conceito público maculado, buscou alguém para assumir a culpa: sua esposa.

O problema é que a mentira foi descoberta! Nasceu daí um processo, ao fim do qual ambos foram condenados a uma pena de oito meses de prisão – que efetivamente cumpriram. Transcrevo um trecho da sentença: “Ofensas desta natureza atingem o coração do sistema de justiça criminal … que depende, relativamente aos motoristas surpreendidos pelas câmeras, do reconhecimento honesto da culpa. Esta prática corresponde a uma ofensa criminal séria, pois tende a perverter o curso da justiça, e, assim, uma condenação imediata ao cumprimento de uma pena de prisão deve ser aplicada”.

Pronunciando-se sobre o episódio, o Primeiro-Ministro David Cameron assim disse: “eis aí uma advertência de que ninguém, não importa o quão importante ou poderoso seja, está fora do alcance do sistema judiciário”.

Após ter tido contato com estes exemplos, levante-se. Vá à janela e contemple a América Latina. Veja, com olhos de ver, a sociedade desigual e injusta criada pela ganância desmedida de alguns poucos. Desperte para o fato de que você vive menos e de forma pior por conta deles.  Diante de uma impunidade generalizada, perceba o quanto e o quão alto estes poucos maus gargalham à porta das instituições, a cada dia mais acovardadas, humilhadas e amesquinhadas. Haverá quem diga que eles estão a rir das autoridades. Nada mais falso. Na verdade, eles debocham de você. 

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