A verdade é simples

O que uma criança não puder entender ninguém mais entenderá, pois a verdade é simples. Eis aí uma frase milenar, absolutamente singela, que deveria ser mais observada por nossa geração.

Dia desses, por exemplo, li que o Brasil perde, a cada ano, uns R$ 82 bilhões – ou 2,3% do PIB – só com a corrupção. Descobri que a Controladoria-Geral da União, após uma auditoria realizada em 15.000 contratos com estados, municípios e ONGs, encontrou irregularidades em 80% deles. Apenas nesses contratos foram flagrados desvios da ordem de R$ 7 bilhões.

Decidi pesquisar um pouco mais e constatei que 51% das empresas aqui instaladas admitiram ter pago propina a funcionários ou autoridades. 25% delas tem despesas de até 10% de suas receitas com subornos – aliás, 70% separam nada menos que 3% de seus faturamentos para esta rubrica.

Um quadro desses atrapalha o nosso desenvolvimento – eis aí uma verdade simples, que qualquer criança entende. Vamos aos números: quase 70% das 1.642 empresas consultadas declararam manter restrições quanto a novos investimentos por conta da corrupção. Neste sentido foi didática a acusação do presidente de uma empresa suíça, fabricante de relógios: “não dá para fazer negócios no Brasil, tudo que precisamos fazer no país só ocorre com corrupção”.

Uma criança entenderia, com facilidade, que combater esta praga deveria ser uma das prioridades nacionais. Igualmente simples é a verdade de que os dois maiores estímulos à corrupção são a burocracia excessiva e a impunidade. A partir daí não seria muito difícil concluir que deveríamos racionalizar nosso sistema legal.

Curiosamente, no entanto, praticamente nada se faz neste sentido – e isso criança nenhuma entende. Continuamos sendo líderes mundiais em exigências burocráticas e em impunidade.

No que refere à burocracia, seja símbolo o “atestado de residência”, uma conta qualquer emitida por uma empresa privada que nos tornará seres domiciliados perante os mais elevados órgãos da administração pública – acredite, já tive, quando presidia o Tribunal Regional Eleitoral, que providenciar um desses para poder assinar em nome da instituição.

Já quanto à impunidade, seja seu símbolo o “retrabalho” sempre presente nos procedimentos criminais – a Polícia ouve todos e resume tudo, para que em seguida o Ministério Público narre todo o caso novamente e possibilite ao Poder Judiciário, além de explicar tudo de novo, ouvir uma vez mais praticamente todos que já foram ouvidos. Entendeu? Não? Então parabéns: você é normal!

Como explicar isso para uma criança? Cheguei à conclusão de que não conseguiria – não por dificuldades no manejo de uma caneta, mas por questões humanitárias. Seria doloroso retirar de uma criança a inocência, expondo de forma crua o mal que a ganância de alguns poucos custará às suas vidas.

Assim, optei por algumas frases que elas começarão a entender conforme forem crescendo. Começo por Giuseppe Bettiol, segundo quem “direito é a expressão da vontade dos mais fortes”. A pérola seguinte vem de Al Capone, seguramente um mestre em tais temas: “não entendo quem escolhe o caminho do crime, quando há tantas maneiras legais de ser desonesto”. Encerro com Otto von Bismarck: “ah, se as pessoas soubessem como se fazem as leis e as salsichas”.

Pois é. E há quem diga que a culpa pelo atraso do Brasil é do “Zé-Povinho”. Mentira! A culpa é nossa, enquanto elite dirigente. E isto qualquer criança entende.

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