A globalização dos bons costumes

Dia desses conversava com um amigo, oriundo de um país distante, sobre suas experiências aqui no Brasil – o dito cujo veio para cá há cerca de um ano buscando entabular novos negócios. Foi um diálogo daqueles interessantes, que induzem alguma reflexão.

Para início de conversa, fui indagado sobre o motivo de muitas vezes reuniões aqui acontecidas transcorrerem maravilhosamente bem, restando absolutamente resolvidos e definidos todos os temas postos em discussão – para depois, na vida real, nada ou quase nada acontecer!

Confesso ter ficado meio atordoado – realmente, não faz parte da nossa cultura o acompanhamento metódico da execução de tarefas. Prazos são ignorados e metas são desfeitas com a maior serenidade possível, como se não tivessem importância. E lamentavelmente muitas vezes não nos damos conta disso.

A pergunta seguinte foi igualmente curiosa: por qual motivo uma reunião marcada, digamos, para as 14 horas, no mais das vezes somente começará lá pelas 14:30? Ele relatou-me um episódio no qual havia nada menos que três agendas marcadas em um importante órgão da administração – a que atrasou menos começou 45 minutos após o horário previsto. Como ele estava acompanhado de um superior, uma autoridade vinda de seu país, foi “premiado” com a avaliação de que não estava realizando a contento seu trabalho, por estar sendo desprezado pelos administradores locais.

Eis aí, seguramente, um pecado comum a todos nós. De um casamento a um evento de negócios, de uma conferência a uma solenidade qualquer, atrasos de 30 minutos são considerados perfeitamente “normais”. Aliás, quando um avião decola com apenas 20 minutos de atraso costumamos comemorar – saiu “quase no horário”.

O questionamento seguinte seria mais complexo: é referente ao nosso processo de decisão. Muitas vezes acostumados a um processo “de cima para baixo”, aqueles que aqui chegam percebem, com surpresa, que se diversas situações não forem antes “acertadas” com os níveis inferiores da administração, nada acontecerá.

Foi colocada também a questão do relacionamento pessoal no ambiente de trabalho. Na América Latina críticas ao desempenho profissional são pessimamente recebidas, e não raramente acabam sendo consideradas ofensivas a nível pessoal – algo a que muitos estrangeiros não estão acostumados.

Finalmente, encerrou o rosário de dúvidas a famosa questão formal – pessoas que aqui chegam para gerir negócios ou investir simplesmente não compreendem a selva tributária e burocrática que, no mais das vezes, acaba nos passando desapercebida, conformados que já estamos.

Chamou-me a atenção, e vivamente, o comentário feito a seguir: “os brasileiros são um povo espetacular. Criativos, gentis e trabalhadores. Mas terão problemas no processo de globalização do qual pretendem participar se não se adaptarem a algumas regras seguidas praticamente pelo mundo inteiro”.

Está aí, pelas palavras de um estrangeiro, o dever de casa que nos cumpre realizar antes de pretendermos ter sucesso em nossos ímpetos “globalizadores” – coisas simples como pontualidade, disciplina, objetividade e espírito prático. Cada um de nós, em maior ou menor escala, seguramente tem algo a melhorar nestes aspectos.

Nas últimas décadas temos “importado” de outros povos o que eles tem de pior, abrindo mão das ricas cultura e idioma que herdamos dos nossos ancestrais. Que tal nos esforçarmos para copiar também algo de bom?

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