Um testemunho necessário

Raríssimas vezes utilizei este espaço para referir-me a pessoas – não sei se estou certo ou errado, mas sempre preferi abordar qualquer tema que fosse em sua grandeza maior, acima de personagens paroquiais. Afinal, as coisas da vida passam, e passam muito depressa, tornando qualquer retrato humano profundamente pequeno e passageiro.

Hoje, porém, ao despedir-me da presidência do Tribunal de Justiça, peço licença para romper com este hábito e dar alguns testemunhos, por dever de justiça – e talvez seja este o único reconhecimento terreno que estes abnegados receberão.

Começo pelo sistema prisional. Que há de mais humilhante para um povo que prisões bárbaras, contaminadas pela tortura covarde? Que há de mais desmoralizante para o mundo das leis que exista, dentro de seus domínios, um território sem leis? Ao imprudente que se atreva a querer mudar este quadro é logo atribuída a pecha de “defensor de bandidos”, ou coisa que o valha. Daí serem muito poucos os que se aventuram – e dentre eles agigantou-se a figura do Juiz de Direito Marcelo Loureiro. Honrou e dignificou a instituição que integra, defendendo novos métodos e combatendo, sem quartel, as distorções de um sistema falido. Acrescento ao currículo deste magistrado a participação decisiva no processo de construção do novo Forum de Vitória.

Abordo, em seguida, a violência doméstica. Chaga vergonhosa, esconde-se por detrás dos muros da hipocrisia – única explicação para o fato de uma humanidade que já foi à Lua e prepara-se para ir a Marte conviver com um terço de suas mulheres sendo espancadas cotidianamente. Enfrentar este problema é lidar com o que o ser humano tem de pior. E eis que surge a Juíza de Direito Hermínia Azzoury, arrostando os riscos inerentes à atividade de inovar. De forma humilde, legou ao Espírito Santo e à instituição que integra o reconhecimento de todo um país.

Há também os precatórios, ainda símbolo do “devo, não nego, pagarei quando puder” – ou, no caso da quase totalidade da administração pública, “quando quiser”. Aos mais fracos, os credores, fica a sensação humilhante da perda de cidadania. Ao Poder Judiciário, a vergonha da desmoralização diante do baixo valor de um título executivo judicial. Esta é uma daquelas realidades que exigem engenho e disposição – e lá estavam os juízes Isaías Silva e Rodrigo Cardoso, contribuindo decisivamente para a caminhada vitoriosa que levou o Espírito Santo a ser, até onde sei, o único estado da história do Brasil a encerrar um ano com apenas um precatório pendente de pagamento.

Não nos esqueçamos da virtualização do Poder Judiciário – sonho sufocado muito mais por barreiras culturais que técnicas. A população, que brevemente será beneficiada por um sistema judiciário mais lógico, rápido e barato, muito deve a dois magistrados, Eliazer Costa e Paulino Lourenço, cuja habilidade e sabedoria permitem o avanço gradual e seguro deste projeto.

É nas pessoas destes juízes que homenageio tantos outros, que de forma anônima desenterraram de tantas gavetas processos de homicídio, de improbidade, de corrupção etc. Curvo-me aos que garantiram o direito de manifestação do povo, em decisões sobretudo corajosas.

Sim, eles não fizeram – e nem podiam fazer – tudo. Deixaram muito por realizar. Mas, em um país no qual o termo “meritocracia” é bem pouco homenageado, vítima da mesquinharia e da politicagem, deram mostras de generosidade, idealismo e devoção à causa da justiça. A eles, a gratidão de um cidadão.

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