Arenga monótona

Neste ano completo 26 anos de magistratura. Foi mais de um quarto de século ouvindo a indefectível arenga de que “o Poder Judiciário é moroso porque faltam juízes, servidores e estrutura”.

Não poucos foram os momentos em que, pressionados pela opinião pública, vi colegas exibindo impotentes, pelos jornais, os milhares de processos à espera de um despacho ou sentença, em um desabafo correto, mas que esconde o real problema: nosso sistema legal “morreu e esqueceram de enterrar”, como reza jocosa expressão popular.

Vamos lá: tramitam hoje pelo Poder Judiciário brasileiro 95,14 milhões de processos, aguardando julgamento por 16.429 magistrados – ou 5.790 para cada um deles. Cada processo desses consome tempo com audiências, leituras, atos diversos e, evidentemente, a decisão. Imaginemos, inflados de otimismo, que cada juiz decida um deles por dia. Aí concluiríamos, facilmente, que se fechássemos as portas dos juizados hoje, levaríamos 5.790 dias só para colocar o serviço em dia – algo como 15,8 anos, trabalhando 365 dias por ano, sem férias ou repousos semanais.

Durante estes 15,8 anos as portas dos juizados estariam fechadas – e os processos estariam sendo acumulados do lado de fora. Como a cada ano são propostas 28,3 milhões de novas ações, ao fim deste período nossos juízes abririam suas portas e encontrariam uma montanha com 447.140.000 processos aguardando julgamento – 4,6 vezes maior do que a atual!

Agora pegue uma calculadora e faça alguns cálculos simples: multiplique por dois o número de juízes. Resolverá? Não. Por três. Por quatro. Por cinco. E o problema da morosidade não terá sido resolvido!

Imagine, finalmente, que apenas 1% do que acontece nas ruas chega ao mundo das leis, e estará completo, à sua frente, límpido e claro, um quadro tão absurdo quanto trágico.

Diante destes dados, resumir o problema a um singelo “aumento do quadro de juízes e servidores”, ou a uma “melhor estrutura de trabalho”, chega às raias do simplório.

O que deve e o que não deve ir aos juízes? Julgamentos colegiados e procedimentos orais não deveriam ser adotados como regra? Como melhorar a integração e a comunicação entre as instituições? Como priorizar o idealismo no processo de seleção dos juízes?

Enquanto não respondemos tais questões com honestidade, somente nos restará a contemplação, já secular, daquela monótona arenga de sempre – aquela do “mais da mesma coisa”!

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