Comprar é um ato patriótico

Há algum tempo li uma curiosa análise econômica publicada no jornal The Independent, da Inglaterra, sob o título “Em tempos de crise, comprar tornou-se um ato patriótico”. Demonstrou-se, ali, a importância de um mercado interno robusto, que aumentaria a resistência do país às crises externas. Um exemplo contundente desta teoria é o Japão: nada menos que 80% dos produtos eletrônicos lá fabricados destinam-se ao mercado interno, cujo funcionamento ininterrupto, estímulo e eficiência são alvo de cuidadosa atenção por parte do governo. Há quem critique aspectos desta política, mas é confortador ver que sua adoção foi precedida de estudos os mais sérios.

Enquanto isso, em Portugal, discute-se a abertura dos hipermercados aos domingos. Alguns mostram preocupação com a qualidade de vida dos empregados, e outros com a geração de empregos. Em meio a esta discussão realizou-se uma pesquisa. Eis os seus resultados: se as lojas com mais de 2 mil m² de área abrissem aos domingos haveria uma injeção de 2,5 bilhões de Euros (uns R$ 7,2 bilhões) na economia nacional e a criação de 8 mil postos de trabalho até 2017. Divulgou-se que este impacto na economia seria distribuído nos 10 anos seguintes pelos investimentos futuros (350 milhões de Euros), pelas receitas fiscais (1,5 bilhão de Euros) e pela criação de empregos diretos e indiretos (500 milhões e 150 milhões de Euros, respectivamente). Estes dois últimos valores seriam traduzidos na criação de 8.000 a 8.300 novos postos de trabalho até 2017. Destes, 71% seriam caracterizados por apresentarem um vínculo profissional estável, 74% seriam destinados a jovens e 69% destinados a mulheres. As sondagens de opinião pública, realizadas pela Universidade Católica, revelaram que cerca de 66% dos portugueses concordam com a abertura destas lojas nas tardes de domingo.

Há quem discorde – no caso, 34% da população. Mas é animador vermos a preocupação dos portugueses em buscar dados sólidos para fundamentar as grandes discussões nacionais.

Nos EUA o estado de North Dakota decidiu, há alguns anos, autorizar a abertura das lojas aos domingos pela primeira vez em um século. Em meio às discussões para a adoção desta medida foram realizados estudos técnicos prévios. As discussões chegaram à Casa Legislativa. Consultada a população, através de sondagens, 59% das pessoas ouvidas se disseram favoráveis à abertura das lojas aos domingos. Eis aí um bom exemplo: foram feitos estudos técnicos e ouviu-se a população sobre uma decisão que iria afetá-la.

Na Suíça, há poucos anos, discutiu-se o fechamento das lojas aos domingos. O Governo Federal, após realizar ampla pesquisa sobre o tema, declarou que cerca de 2.000 postos de trabalho seriam fechados. É claro que a discussão não se exaure aí, mas é louvável a busca por informações sólidas em meio a discussões deste porte.

No Reino Unido, os pequenos lojistas protestaram pela liberdade de vender aos domingos. Surgiu, assim, o Sunday Trading Act, de 1994,  definindo que lojas com menos de 280 m² podem abrir em qualquer horário, e as maiores apenas entre as 10 da manhã e as 6 da tarde. Há poucos anos, defendeu-se maior liberdade para as grandes lojas, sob o argumento de que a arrecadação subiria R$ 4,8 bilhões a cada ano, o que geraria milhares de novos empregos. Ouvida a população e refeitas as contas, concluiu-se que o sistema em uso é mais justo. É gratificante vermos que tão séria decisão foi adotada com base em dados sólidos.

Há poucas semanas a Organização Internacional do Trabalho divulgou um estudo segundo o qual 20 milhões de pessoas perderão o emprego por conta da crise econômica até o final de 2009. Fala-se que os grandes penalizados pela forte retração econômica serão os países em desenvolvimento (Brasil incluído). É preocupante, assim, que diante de um quadro tão grave de incertezas esteja por ser determinado o fechamento integral do nosso comércio aos domingos sem que tenham sido divulgados estudos técnicos e de opinião pública acerca do impacto desta medida, particularmente no que tange à eliminação de empregos – não tem sido este o exemplo do resto do mundo.

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