Deu a louca nos números

Logo após o lamentável atentado ao World Trade Center, nos Estados Unidos, apurou-se que tudo poderia ter sido evitado se os dados disponíveis em cada uma das agências de combate ao crime daquele país fossem compartilhados – algo muito simples e lógico.

Testemunhando perante uma Comissão do Congresso Norte-Americano, o Coordenador de Contraterrorismo, Francis X. Taylor, resumiu de forma muito clara esta situação: “nossa missão depende do compartilhamento eficaz e oportuno de informações”.

Estas declarações me fizeram pensar no caso de Chico Kafka da Silva, um nosso compatriota que há algum tempo foi preso pela Polícia Militar durante um assalto. Logo após a prisão lavrou-se um Boletim de Ocorrência, que recebeu o número 1111. Chico Kafka foi, então, encaminhado a uma Delegacia de Polícia Civil. Nesta abriu-se um Inquérito Policial, que recebeu o número 2222. Concluídas as investigações, este Inquérito Policial foi remetido para o Ministério Público de 1º Grau, onde recebeu o número 3333. De lá ele foi para o Poder Judiciário de 1º Grau, recebendo um novo número: 4444.

Chico Kafka tentou defender-se, mas acabou condenado a vários anos de prisão. Decidiu recorrer. E lá foi o processo dele para o Tribunal de Justiça, local onde recebeu mais um número: 5555! Antes do julgamento pelo Tribunal de Justiça o processo passou pela análise da Procuradoria Geral de Justiça, que novamente o numerou: 6666.

Chico Kafka não obteve sucesso em seu recurso – a condenação dele foi mantida pelo Tribunal de Justiça. Ainda inconformado, ele decidiu recorrer para os Tribunais Superiores, em Brasília. E prosseguiu este ritual: a cada órgão, mais um número! O resultado: em pouco tempo, um mesmo caso já tinha quase uma dezena de números diferentes!

Isto deixava todos confusos. A família de Chico Kafka, composta de pessoas humildes, que não conhecem os complicados caminhos das leis brasileiras, simplesmente não conseguia saber onde estava o processo – o número nunca conferia, por ser relativo a outro órgão. Um Delegado de Polícia Federal, buscando concluir uma outra investigação sobre Chico Kafka, também perdia tempo tentando refazer o histórico daquele caso. Um Juiz de Direito, que precisava de informações sobre aquele processo para analisar a situação de Chico Kafka na cadeia onde este se encontrava, também ficou perdido diante de tantos números.

Os resultados desta incrível confusão são evidentes: excesso de ofícios pedindo informações, trabalhos incompletos ou defeituosos, famílias e servidores públicos atormentados, etc. É realmente impressionante: nossos órgãos de combate ao crime, à semelhança do que ocorreu nos Estados Unidos, são “ilhas isoladas”, cada qual mantendo seu próprio Banco de Dados. O mais surpreendente é imaginarmos que as informações contidas em cada um destes Bancos de Dados não são de seus respectivos órgãos – são, em última análise, de uma população que precisa de maior segurança!

A triste realidade é que em pleno século XXI, com tantos computadores maravilhosos à disposição, não sabemos com segurança sequer quem está preso, há quanto tempo, por qual motivo e por ordem de quem. Não sabemos ao certo, após algum tempo, o destino ou os detalhes de cada Boletim de Ocorrência, Inquérito Policial ou Ação Penal. E quem ganha com isso? O crime, eis a resposta!

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