David contra Golias

Certos eventos históricos somente ganham relevo muito tempo depois de acontecidos. Não se imagina, assim, a cena de algum romano chegando em casa e dizendo que havia acabado de presenciar a “Queda de Roma”. Ou de um italiano comentando com amigos que a Idade Média chegara ao fim, pois ele havia visto no dia anterior, em uma esquina qualquer, o início do Renascimento.

Não, a História é mais complexa e sutil. Os eventos vão se desenrolando no mais das vezes suave e imperceptivelmente. Aquilo a que chamamos de “processo histórico” vai nos envolvendo pouco a pouco, de uma forma tal que, absorvidos pelas complicações e atribulações do dia-a-dia, muitas delas consequências deste próprio processo, acabamos não compreendendo a integral extensão de nossas próprias realidades.

Vivemos, hoje, uma “era de reformas”. Nunca se reformou tanto! Nunca os alicerces institucionais do Brasil e dos países latino-americanos foram tão intensa e extensamente levados à célebre “Place de la Concorde” – de onde ou não se saía, ou não se saía mais o mesmo. Não seria o caso, hoje, de olharmos para trás, buscando uma compreensão mais precisa do momento atual?

Para tanto, voltemos uns 13 anos no tempo – já é suficiente. Iniciemos pelo já distante dia 27 de abril de 1998, data na qual a revista americana Newsweek trouxe, na seção “World Affairs”, um sério comentário a respeito da América Latina:

“A imprensa está preenchendo um vácuo: os judiciários estão fracos, o poder está centralizado e a corrupção está tão generalizada que os cidadãos com problemas preferem ir aos jornais locais que procurar ajuda na polícia ou nos tribunais” (página 16).

Abordando este grave problema, um comunicado do Escritório de Assuntos Inter-Americanos do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, datado de 16 de abril de 1998, trazia:

“Os governos estão respondendo a este desafio com propostas de reformas fundamentais. Conselhos Judiciais e outras mudanças na estrutura dos Judiciários estão sendo feitas para melhorar o gerenciamento e a qualidade das decisões. Muitas das reformas que estão sendo implementadas foram desenvolvidas com a assistência de doações internacionais. O governo americano forneceu mais de 300 milhões de dólares para tal finalidade na última década. O Banco Inter-Americano de Desenvolvimento e o Banco Mundial, entre outros doadores, estão agora oferecendo recursos ainda maiores para expandir este trabalho”.

Complementarmente, a revista Time do dia 20 de abril de 1998 trouxe:”Pela primeira vez, o hemisfério aparenta desejar imprimir algumas reformas urgentes, de caráter não-econômico: as transformações política, judicial e educacional que muitos países nas Américas precisam para produzir uma ordem mundial mais moderna e justa”.

Sobre os arroubos de liderança e independência do Brasil, naquela não tão distante época assim declarou uma das mais importantes diplomatas norte-americanas, durante uma reunião de cúpula realizada em Santiago, no Chile:

“Nós somos uma economia de sete trilhões de dólares. Os Estados Unidos sempre estarão no centro. Os Estados Unidos são um gorila de sete trilhões de peso”.

Podemos, assim, concluir sem maiores dificuldades que, impulsionados pelos ventos poderosos de tantas centenas de milhões de dólares, estamos assistindo hoje o surgimento de uma nova ordem para a América Latina, cujos parâmetros foram anunciados há treze anos – e não nos demos conta disso na época!

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