Dormir é muito perigoso

Dia desses descobri um interessante provérbio de origem europeia: “diga a verdade e saia correndo”. Complementa-o o nosso Guimarães Rosa, segundo quem “viver é muito perigoso”. É verdade. Muitas vezes gestos banais, do cotidiano, escondem riscos terríveis.

Começo pelo simples ato de dormir – um perigo, acredite! A cada ano, só nos Estados Unidos da América, 450 pessoas morrem caindo da cama. Parece incrível, mas cair da cama já representa 1,8 milhão de atendimentos de emergência naquele país. Deve ser por isso que recente pesquisa realizada do outro lado do oceano, no Reino Unido, descobriu que 35% dos adultos de lá dormem agarrados a ursinhos de pelúcia.

Só para termos uma comparação, as consideradas perigosas montanhas russas matam apenas quatro pessoas por ano nos Estados Unidos. Logo, é mais seguro andar em uma montanha russa do que dormir em uma cama agarrado a um ursinho de pelúcia…

Você tem preocupação com cachorros ferozes? Deveria ter. A cada ano eles matam 34 pessoas nos Estados Unidos. Porém, repito, dormir agarrado a um ursinho de pelúcia é umas 13 vezes mais perigoso!

E os tubarões? Em 2011 eles ceifaram a vida de 12 semelhantes nossos pelo planeta afora – repita-se: dormir é no mínimo 37 vezes mais perigoso! Há também os incêndios. Eles matam 237 pessoas anualmente no Reino Unido – insisto: ficar na cama é pelo menos duas vezes mais arriscado.

Curiosamente, no entanto, apesar de todas estas estatísticas, nunca soube de uma campanha – sequer uma – em prol da segurança do sono! Todos estão preocupados com montanhas russas, cachorros ferozes, tubarões, incêndios e outros problemas infinitamente menos perigosos. Curioso, isso! E continuam nossos semelhantes morrendo pelas camas deste planeta – alguns até agarrados a ursinhos de pelúcia.

É mesmo confusa, a humanidade! A cada ano morre mais gente por coices de burro do que a bordo de aviões, e o risco está nestes e não naqueles. Morre mais gente vítima da queda de cocos do que por ataques de tubarões, e no entanto continuamos sossegados embaixo dos coqueiros! Estatisticamente morre mais gente vítima de rolhas de garrafas de champagne do que de picadas de aranhas venenosas, e sequer nos damos conta disto.

Esta visão míope dos riscos de viver deveria nos servir de inspiração diante dos problemas da realidade. Por exemplo: a cada dia, no Brasil, morrem 20 crianças vítimas de doenças causadas pela falta de saneamento básico. São 600 por mês, ou dois aviões de passageiros lotados. Pois bem: nos preocupamos mais com os aeroportos do que com as crianças.

Outro exemplo: pelo planeta afora, anualmente, morrem cerca de 240 mil pessoas em função do consumo de drogas ilegais – contra três milhões vítimas do tabagismo, que se somam a outras 2,3 milhões do álcool. Só para que se tenha uma ideia, o álcool está relacionado a 50% de todos os homicídios. No entanto, por conta da opinião da maioria, o melhor do nosso aparelho policial, judicial e penitenciário está voltado para o combate às drogas ilegais, praticamente ignorando as legais.

Talvez seja por conta destas e de tantas outras distorções que estamos experimentando um momento de profunda perplexidade diante de uma realidade a cada dia mais incompreensível. Mas, pensando bem, é melhor deixar isso pra lá – afinal, como ensinou Voltaire, “é perigoso ter razão em assuntos sobre os quais as autoridades estabelecidas estão erradas”. Assim, vá dormir – é mais seguro.

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