Globalização à moda tupiniquim

Dia desses li, em “A Tribuna”, uma curiosa notícia sobre o Ceará: “Sinal dos tempos: as estatuetas do Padre Cícero são todas “Made in China”. Haja fé”.

É a globalização que chega, afetando até as tradicionais imagens do Padre Cícero! É o Brasil entrando na era das fronteiras abertas e da queda de barreiras!

Boa notícia, esta. Segundo estudo feito pela Universidade de Michigan (EUA), a renda da população mundial cresceria 612 bilhões de dólares se apenas um terço das barreiras comerciais desaparecessem. Ou seja: o mundo caminha na direção certa.

Na Europa, por exemplo, “mais de 90% da legislação que suprime as barreiras internas já está em vigor, permitindo que as empresas operem com maior facilidade através das fronteiras nacionais, o que constitui uma oportunidade para ajudar a manter e, inclusive, aumentar o emprego” (publicação oficial da União Européia).

Eis aí um exemplo notável: antes, as mercadorias que circulassem entre os países europeus estariam sujeitas ao pagamento de tributos nas fronteiras. Calcule-se a burocracia, a lentidão e os custos que este sistema causava.

Atualmente, isto não mais existe. Assim, imaginemos que uma empresa portuguesa venda sardinhas a uma empresa de conservas alemã. Haverá um único imposto a ser pago (de 15%) pela empresa alemã, através de declaração periódica, e o caminhão que transportará as sardinhas viajará livremente de Portugal até a Alemanha.

Esta simplificação eliminou nada menos que 60 milhões de documentos aduaneiros por ano. Bom para a Administração. E bom para as empresas: apenas na Inglaterra, elas reduziram seus custos com burocracia em 139 milhões de libras esterlinas.

Realmente fascinante, a eliminação de barreiras! E o Brasil tem feito parte deste processo: já abriu suas fronteiras a um ponto tal que importa até… estatuetas do Padre Cícero!

Enquanto todas estas coisas maravilhosas acontecem, fico a pensar na CAVIL. Trata-se de uma pequena cooperativa de produção de laticínios, que funciona em Bom Jesus do Norte (ES). Próximo a ela há um rio e uma ponte, que conduz à cidade de Bom Jesus do Itabapoana (RJ). Logo depois da ponte, há uma padaria.

Pois bem: para que o queijo e a manteiga produzidos na CAVIL possam andar 800 metros, da usina até a padaria, do outro lado da ponte, devem enfrentar uma rigorosa barreira. É comum vermos caminhões amontoados em frente ao posto fiscal, aguardando a vez da inspeção. Até guardas com metralhadoras e cachorros já vi, naquele local. Isto tudo para que brasileiros possam vender queijo e manteiga para brasileiros que moram do outro lado de uma ponte, praticamente dentro da mesma cidade!

Este quadro é nacional. São milhares de barreiras fiscais, guardas armados, denúncias, processos e, principalmente, custos e atraso.

Enquanto isto, como vimos, na Europa os caminhões e trens circulam livremente até mesmo entre países, não interrompendo seus percursos por conta de formalidades tributárias.

E ficarei só nas barreiras de fiscalização, sem comentar os escabrosos “incentivos fiscais” dados nos Estados. Já vi casos em que estes desviaram o trânsito de produtos por milhares de quilômetros – as diferenças de alíquotas entre os Estados compensavam o aumento dos custos de transporte. Isto é ruim. Atrasa o progresso.

O mais lamentável é que nossas pequenas empresas e cooperativas, além de não conseguirem os benefícios da globalização e da queda de barreiras, ainda têm que enfrentar as poderosas indústrias transnacionais que aqui desembarcaram pelos braços desta mesma abertura econômica. Acabam sendo vendidas para estrangeiros, ou, o que é pior, falindo.

Pois é. Talvez, além de enviarmos comitivas ao exterior para que negociem acordos de livre-comércio, devêssemos enviá-las também a Bom Jesus. Talvez, nestes bons tempos de globalização, devesse ser estudada a abertura das fronteiras de Bom Jesus do Itabapoana aos conterrâneos de Bom Jesus do Norte.

Enviar por e-mail Imprimir

Artigos Relacionados