Nem sempre quem avisa amigo é

Dia desses, meio que ao acaso, contemplava uma advertência colada em um eletrodoméstico novo e já defeituoso – uma daquelas etiquetas de cor laranja, que brilham mais do que criança com vergonha.

Fiquei a pensar, naquele momento, na realidade de um mundo no qual os avisos, e muitas vezes só eles, simbolizam o sagrado respeito que todo consumidor merece. Muitas vezes o produto é de péssima qualidade, ou até mesmo falsificado, mas jamais dispensará Sua Excelência, a etiqueta colorida de advertência. Não importa o que ela contenha, desde exista e esteja lá, brilhando e brilhante em sua tarefa de sinalizar que atrás de si há alguém preocupado com você.

Estaria exagerando? Penso que não. Começo por uma etiqueta que dizia “se você não sabe ler, não use este produto”. Localizei em seguida a máquina de lavar roupas em cuja tampa lia-se “não jogue aqui nenhum ser humano”. E que dizer do MP3 que vinha acompanhado do aviso “favor não comê-lo”?

Encontrei também uma advertência dirigida aos potenciais usuários de um celular: “não fale palavrões neste telefone, vamos manter as boas maneiras”. Curiosa, igualmente, a etiqueta vermelha e amarela colada em um patinete, deixando bem claro que aquele produto “se move quando utilizado”.

Descobri, na sequência, o caso dos comprimidos veterinários, exclusivos para cachorro, cuja embalagem trazia, em cor vermelho brilhante, a seguinte advertência: “usar com cuidado quando for dirigir veículos ou operar máquinas”.

Falando em dirigir veículos, achei um catálogo telefônico, daqueles bem parrudos, em cuja capa lia-se “cuidado: por favor não use esta lista enquanto estiver dirigindo”. Ainda no capítulo dos automóveis, uma interessante etiqueta colada no painel de um deles aconselhava a “não dirigir quando o vidro dianteiro estiver coberto”.

O caso seguinte foi o de um pacote de pilhas comuns, destas que usamos diariamente, em cuja caixa lia-se “favor remover esta embalagem antes de colocar no forno de microondas”. Será que esse pessoal come pilhas e baterias no almoço?

Por falar em almoço, vejam as instruções de uso de um saquinho de amendoins distribuído por dada empresa aérea norte-americana: “Abra o saco. Pegue os amendoins. Coma”. Uma outra embalagem, esta de nozes, trazia um sério aviso: “Cuidado. Pode conter traços de nozes”. Já a de uma marca de catchup ostentava: “Instruções: colocar na comida”.

Uma etiqueta igualmente curiosa vem de um picotador de papéis: “não inserir mãos ou gravatas”. Não menos cuidadoso foi um fabricante de lanchas que concebeu uma etiqueta de advertência na qual lia-se “nunca use um isqueiro ou fogo para checar o nível de combustível”. E não nos esqueçamos do caso do fabricante de fogões que advertia para o risco de queda das panelas caso fosse utilizado como assento a porta do forno.

Segue nesta linha o isqueiro em cujo estojo uma etiqueta avisava “Não usar perto do fogo”. Ou o da iluminação natalina em cuja embalagem lia-se “Aviso: usar somente dentro ou fora de casa”. E o do ferro de passar roupas que, conforme o fabricante, não deveria ser utilizado sobre a pele. Finalmente, por falta de espaço, encerro com dois avisos. O primeiro, inserido em um pote de sorvete: “Cuidado: sorvete é frio”. E o segundo, em uma embalagem de gelo: “Este gelo pode estar frio”.

Pois é. Talvez, em todos estes produtos, e em muitos mais, devesse ser colocada a sábia e secular observação de Horácio: “somos iludidos pela aparência do bem”.

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