Nossos escravos

Kolwezi é uma pequena cidade situada na República Democrática do Congo. As crianças de lá nunca viram um veículo elétrico. Seguramente não possuem um telefone celular ou um “tablet”. Com toda a certeza não se divertem com modernos “videogames”.

No entanto, sem a ajuda delas e de tantas outras espalhadas pelo mundo, poucos de nós teriam estes confortos que a moderna tecnologia proporciona. Explico: elas trabalham – eu disse trabalham? – se esgueirando em apertados buracos extraindo minérios sem os quais nossa cristã civilização ocidental não brilharia.

Naquelas minas não há equipamentos de proteção individual e nem padrões de segurança mínimos. As crianças vão cavando os buracos e se enfiando neles munidas quase que exclusivamente de pás e lanternas – só isso, e nada mais do que isso.

Muitas daquelas crianças – centenas – morrem em desabamentos. Outras – milhares – perderão a vida mais lentamente, por conta de doenças causadas pela prolongada exposição a minerais comprovadamente tóxicos.

A “carreira profissional” daquelas crianças começa, em média, aos quatro anos de idade, separando os minerais preciosos da terra. Por volta dos dez anos já terão “progredido” na profissão e estarão enfiadas pelos buracos que cavaram ou carregando pesados sacos de minerais.

A jornada de trabalho delas começa às seis horas da manhã, encerrando-se às sete da noite. Em alguns casos, quando os buracos são muito profundos – e poluídos – se revezam em turnos de 24 horas.

Mas há, em contrapartida, a recompensa financeira! Uma tonelada de cobalto extraída por aquelas crianças custa uns US$ 60 mil – dos quais separa-se entre US$ 1 e US$ 3 por dia para remunerá-las. Sim, elas ganham no máximo uns R$ 10 por 13 horas de trabalho perigoso e insalubre. Dia desses calculou-se que, por conta deste quadro, cada telefone celular vendido no Ocidente carrega o sangue de duas daquelas crianças.

Dizem que a escravidão no Brasil foi extinta em 1888 pela Princesa Isabel. Mas será que, por algum esforço interpretativo, teríamos banido a escravidão mas não o lucro que ela proporciona? É hora, pois, de, deixando a hipocrisia de lado, apurarmos, enquanto mundo das leis, sob quais condições são produzidos os produtos que avidamente consumimos – até lá, chamemos aquelas crianças de “nossos escravos”.

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