O nosso Titanic

Dia desses, por acaso, assisti novamente ao famoso filme “Titanic”, no qual retratado magistralmente o drama humano que envolveu o naufrágio do navio de mesmo nome. Lá pelas tantas fiquei a meditar sobre um contraste tão interessante quanto pouco comentado, qual aquele entre o porão e o convés.

No andar de baixo a ordem do dia era queimar, em um ritmo alucinante, o suprimento finito de combustível. Enquanto isso, lá em cima, imperava o alegre contemplar do tempo passando mais rapidamente.

Nas entranhas do navio alguns tinham como rotina a transformação da matéria-prima em energia, sofrendo e suando ao lado das caldeiras. A outros – aqueles dos andares superiores – deu o destino a função de desperdiçá-la ao bel-prazer, alimentando a luxúria mais vil.

O navio era britânico – assim, o idioma corrente nas profundezas do casco havia que ser mesmo o inglês. Lá por cima, no entanto, notava-se o intenso esforço das pessoas mais elegantes em dar vida a palavras, costumes e expressões francesas – vai ver achavam a língua pátria tosca…

Lá pelos porões imperavam a cautela e a prudência na gestão do maquinário e dos recursos disponíveis – afinal, há que se respeitar a natureza. Diverso, porém, era o espírito da elite que habitava os andares superiores – ora, a vida é uma festa!

Onde a parede era o casco notava-se certa preocupação com os habitantes – afinal, em derradeira análise, eram eles os responsáveis pelo impulsionar de toda a estrutura. Paralelamente, os gentios dos conveses superiores providenciaram a retirada da maioria dos botes salva-vidas, de forma a não prejudicar a circulação e a vista.

Nos fundos do navio notei que havia uma clara noção de autoridade e respeito às leis – ao fim do cabo, não há ambiente que sobreviva sem noções básicas de ordem. Mais acima, porém, reparei que esta verdade simples era bem pouco observada – imperava, lá, uma ordem de poder bastante confusa e acintosamente informal, baseada em saldos de conta bancária, reputação de empresas etc. Era difícil saber quem, afinal, governava o que naquele lugar.

Pois é. Vítima de tantas contradições, o poderoso Titanic afundou nos idos de 1912. Agora levante-se. Vá à janela. Contemple o nosso país. E perceba, com Hegel, que “a única coisa que a história ensina é que ela não nos ensinou nada”.

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