Angola é aqui

Dia desses li um sério alerta feito pelo administrador da Cerangola (Empresa de Cereais de Angola), um certo Ecumbi David: “Cinquenta toneladas de trigo apodreceram nas comunas de Cachingues, Mumbuwe, Some-Kwanza, Mutumbo e Malengue, município do Chitembro, províncie do Bié, por falta de meios de transporte”. Disse, ainda, que esta situação está a levar os camponeses da região a ponderar o abandono da atividade.

Fiquei a pensar no nosso país. A quantas andaria a situação por aqui? Decidi realizar uma pequena pesquisa – e logo descobri uma notícia, datada de 2014, denunciando que o “transporte deficiente de grãos causa perda anual estimada em R$ 9,05 bilhões ao Brasil”.

A matéria trazia um perfeito diagnóstico do problema pelas palavras do professor Benami Bacaltchuk, da Universidade de Passo Fundo: somos um país de rodovias que não consegue estabelecer políticas de longo prazo para resolver suas deficiências estruturais.

Chamou-me a atenção a expressão “longo prazo”. E assim voltei a 2008, ano no qual revelou-se que o Brasil sofreria prejuízos da ordem de US$ 3,88 bilhões com a precariedade do sistema de transporte que movimentaria sua safra recorde.

Prossegui em minha viagem pelo tempo afora. Cheguei a 2004. Naqueles dias as perdas com a ineficácia do sistema de escoamento da safra foram estimadas em US$ 2,5 bilhões somente no que toca ao volume que seria exportado.

Passei pelo ano 2000, quando dada matéria revelou que somente o Estado de Goiás economizaria US$ 50 milhões a cada safra se dispusesse se um dado ramal ferroviário.

Decidi radicalizar. Parti para a leitura do Diário do Congresso Nacional do dia 16 de setembro de 1967. Lá estava, publicado, discurso do meu saudoso pai abordando precisamente este problema: “desejamos, nesta oportunidade, chamar a atenção da Casa e do Poder Público para o problema do transporte rodoviário de carga neste país”. Seguia-se uma longa análise do problema – que permaneceria o mesmo até os nossos dias, decorrido mais de meio século.

Muito se fala no progresso do Brasil. Este nunca será possível sem uma boa rede de transportes. Esta, por sua vez, jamais existirá sem dois pressupostos simples: planejamento de longo prazo e continuidade administrativa. Eis aí algo lógico. Pois é. Será que o Brasil não é um país racional?

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