O saco de pancadas perfeito

Há poucos dias li em A Tribuna o doído desabafo de um Sargento da Polícia Militar, em seguida a um duro tiroteio travado em plena Praia da Costa para prender um elemento que possuía cinco passagens pela polícia, todas por assalto a mão armada, e também cinco Alvarás de Soltura: “É um absurdo isso. A gente trabalha, prende esses caras e no outro dia dão alvará. É desanimador”.

Este tipo de notícia não é novidade. Em maio deste ano o mesmo jornal noticiava: “Bandidos ficam 4 dias presos. Acusado de assalto, homicídio e tráfico saiu com alvará da cadeia em menos de uma semana. E voltou para o crime”.

Volto ainda mais no tempo. Em 2002 A Tribuna noticiava o caso de um elemento portador de inacreditáveis 17 Alvarás de Soltura, e que respondia em liberdade por nada menos que sete homicídios.

E há também um episódio ocorrido no ano 2000. Seis ladrões roubaram R$ 70 mil em cartões telefônicos. Foram presos e encaminhados a uma cadeia pública. Foram soltos. Voltaram à Delegacia e lá roubaram novamente os cartões telefônicos. Foram presos de novo. Novamente ganharam um Habeas Corpus, voltaram às ruas e imediatamente foram à mesma Delegacia roubar os mesmos cartões telefônicos. Uma vez mais foram presos. E acabaram sendo encaminhados a uma clínica psiquiátrica.

Quando questionados a respeito, os “operadores do Direito” invariavelmente colocam a culpa na lei. Segundo eles, a lei é que determina que este tipo de criminoso seja imediatamente solto. Diante desta surpreendente tese fico a lembrar de Heinrich Heine, segundo quem “é melhor escolher os culpados do que procurá-los”.

No caso, foi escolhida a culpada perfeita: a lei! Esta não pode se defender, não fala, não dá entrevistas, não polemiza e aceita humildemente todas as críticas que lhe são dirigidas! Realmente, não pode haver um “saco de pancadas” de melhor qualidade!

Em verdade, chega a causar espanto que uma tese absurda como a de que “a lei determina que um acusado por 7 homicídios receba 17 alvarás de soltura” seja tão defendida. E a população, no mais das vezes distante do chamado “mundo jurídico”, acaba aceitando este argumento tão roto e desistindo de buscar os reais culpados.

Para máxima compreensão, vejamos o que diz o artigo 312 do Código de Processo Penal: “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.

Diziam os romanos que “na clareza cessa a interpretação”. Ora, eis aí um texto claro, simples, fácil de entender e de aplicar. Mesmo a pessoa mais leiga compreenderá ser plenamente legal a prisão de acusados notoriamente perigosos, reincidentes, que possam colocar em risco a segurança de uma população que há muito tempo abriu mão do direito de andar em paz pelas ruas.

Assim, a dura verdade que salta aos olhos é a de que o “saco de pancadas” chamado “lei” não é culpado pela absurda soltura de bandidos perigosíssimos poucas horas ou dias depois de terem sido presos em flagrante, muitas vezes após violentos tiroteios com policiais em plena via pública. Não, não é a lei a culpada por este acinte diário às vítimas de crimes e à própria população, que já não sabe o que é simplesmente viver em paz.

O fato é que esqueceu-se o nosso mundo jurídico de que, como diz o Talmude, “quem é misericordioso com as pessoas cruéis acaba sendo cruel com as pessoas misericordiosas”. Talvez seja o momento de nos lembrarmos de Thomas Jefferson, segundo quem “a aplicação das leis é mais importante que a sua elaboração”. Ou, quem sabe, de recordarmos o Dalai Lama, a exclamar que “a responsabilidade de todos é o único caminho para a sobrevivência humana”.

Enviar por e-mail Imprimir

Artigos relacionados