Pena do lobo, carneiro condenado

Nilza é uma senhora humilde, moradora de um dos tantos morros deste nosso Brasil. Mãe dedicada, todos os dias ela acompanha seus filhos até a escola, antes de ir trabalhar. Pessoa religiosa, todas as noites ia com sua família rezar na pequena igreja lá do morro.

Nilza, como toda boa brasileira, padece em filas buscando obter saúde e educação (nem sempre razoáveis) para seus filhos, vez por outra sofre com a péssima infra-estrutura do morro no qual reside, mas “vai levando a vida” com a resignação típica da sua gente.

De uns tempos para cá, porém, como se isto tudo não bastasse, surgiu mais um flagelo para atormentar-lhe a vida. Ele responde pelo nome de “Patão”. Trata-se de um criminoso que resolveu instalar-se lá no morro.

“Patão”, apreciador de drogas e armas de fogo, faz questão de ficar com sua gangue exibindo-se na única pracinha do morro. E lá vai Nilza com suas crianças, cabeça baixa, humilhada sob os olhares daquele bando, todos fumando maconha e exibindo armas dos mais diversos calibres em plena luz do dia. Ir à igreja à noite, nem pensar – o jeito passou a ser rezar dentro de casa.

Eis que a Polícia decidiu enfrentar “Patão” e sua gangue. Policiais subiram o morro e, depois de um violento tiroteio, carregaram todos para a cadeia. Nilza, após uma noite de terror (sua casa chegou até a ser invadida por um membro do bando), finalmente suspirou aliviada.

Mas, como dizem que “alegria de pobre dura pouco”, em menos de duas semanas lá estava “Patão” e sua turma de volta ao morro. Disseram que houve um problema qualquer no processo deles, e que por isso a justiça teve que soltá-los, ignorando a lição de Carlos Lacerda, segundo quem “a impunidade gera a audácia dos maus”. E eis Nilza de volta à sua triste rotina de humilhações, abandonada pelo Estado brasileiro.

Os integrantes do Destacamento Policial do morro ficaram mal com a volta de “Patão”. Um deles, morador de lá, teve que se mudar às pressas para não ser morto pela bandidagem.

Algum tempo depois, em seguida a uma dura reportagem de um dado jornal sobre a violência nos morros, nova operação policial. Após intenso tiroteio, ao fim do qual várias pessoas ficaram feridas, “Patão” e seus comparsas foram novamente presos. O morro, uma vez mais, suspirou aliviado – mas por pouco tempo. Menos de um mês depois lá estavam todos de volta, colocados em liberdade por serem primários e terem bons antecedentes – nosso sistema legal ignorou que quem é bondoso com os lobos condena os carneiros.

Os agentes da lei, temerosos por suas vidas, transferiram o Destacamento Policial para o pé do morro, mais seguro. Aos moradores, disseram simplesmente “cansamos de arriscar nossas vidas em vão”.

Para resumir: “Patão” foi preso e solto umas seis ou sete vezes, até ser morto durante um assalto. Seu “trono” não ficou vago muito tempo – ele foi rapidamente sucedido por “Pé Grande”, e aí começou tudo de novo.

Esta é, sem retoques, a realidade de 70% dos morros brasileiros, segundo fartamente noticiado pelos jornais. Um horror! A propósito, convidado a dar sua opinião acerca do problema da segurança pública no Brasil, o Chefe de Polícia de Nova York, William Bratton, assim falou: “O Judiciário não funciona. Os policiais não trabalham em harmonia com os promotores, que não atuam em conjunto com os juízes. A Polícia Militar não trabalha em consonância com a Civil”. Será que ele tem razão?

Enquanto isso Nilza continua seguindo, resignada, sua rotina diária de humilhações lá no morro. Não nos lamentemos por ela, pois, como dizia Billings, “ter pena não custa nada e não vale nada” – o que se espera são ações efetivas em defesa de sua dignidade de cidadã, e não piedade. O que se espera é que nosso sistema legal compreenda que quem é misericordioso com as pessoas cruéis acaba sendo cruel com as pessoas misericordiosas.

Enviar por e-mail Imprimir