Roupa de mortos

Rwanda é um pequeno país lá da África – tem apenas 24.670 km2, contra, por exemplo, 9.147.420 dos EUA. Sem acesso ao mar, apresenta um PIB de apenas US$ 8,9 bilhões – contra os espantosos US$ 20,4 trilhões dos EUA. Habitam este pobre país 11,9 milhões de pessoas – contra 326 milhões dos EUA. Por incrível que possa parecer, diante do contraste exposto, Rwanda está travando uma intensa guerra comercial com os EUA, em torno da importação de roupas usadas.

Tudo começou em 2016, quando Uganda, Kenya, Tanzânia, Burundi, Sudão do Sul e Rwanda celebraram um acordo no sentido de criar restrições à importação de roupas usadas, proibindo-a totalmente a partir de 2019. Apurou-se, a propósito, que as roupas usadas vestiriam nada menos que 70% da população africana.

No ano seguinte os EUA advertiram estes países, todos paupérrimos, que seria inadmissível que parassem de importar e utilizar roupas usadas, e que seriam punidos se assim agissem.

Os africanos permaneceram firmes. Em Uganda, o Ministro das Finanças assim se manifestou: “Por que deveria nosso povo continuar a utilizar as roupas de pessoas mortas quando somos produtores de algodão e temos nossas próprias fábricas? É justo isso? Não é. Podemos negociar diversos outros produtos, mas não roupas usadas”.

Argumentou-se, igualmente, que a importação destas roupas praticamente destruiu a indústria têxtil africana – na Nigéria, por exemplo, este setor, o que mais empregos gerava na área privada, está hoje virtualmente falido, após lançar no desemprego 500 mil pessoas.

A África não recebe apenas roupas usadas – para lá são enviados desde veículos altamente poluentes até combustíveis cuja queima seria proibida na Europa, passando pelos já notórios – e altamente tóxicos – dejetos eletrônicos.

Fiquei a meditar sobre escândalo acontecido aqui no Brasil, em função da descoberta de que importávamos tecidos usados oriundos de hospitais norte-americanos, alguns contaminados. Sobre a importação de pneus usados. De brinquedos quebrados. De produtos obsoletos. De muito lixo, enfim.

Meu pensamento seguinte foi sobre os belos ensinamentos que recebemos de tantas instituições estrangeiras sobre a proteção do meio-ambiente. Das duas, uma: ou estão atuando no local errado, ou a África e a América Latina são a latrina do planeta.

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