Senzala moderna

Você é contra a escravidão. Eu também sou. Você tem pena dos escravos. Eu também tenho. Mas isso não basta – afinal, como dizia Josh Billings, “ter dó não custa nem vale nada”. A propósito, dia desses assisti a um documentário sobre as condições de trabalho (eu disse trabalho?) nas fábricas que produzem algumas engenhocas eletrônicas que usamos.

Pense em uma jovem recordando os sonhos que a levaram, aos 14 anos de idade, a trabalhar em um dos campos de concentração, digo, em uma moderna empresa – ela é, segundo consta, uma dentre estimadas 12 milhões de chinesas que saem de suas casas para “ganhar a vida”.

“Meu dia de trabalho começava às 08:00 e encerrava às 23:00. Não havia feriados. Eu só tinha uma noite livre por mês”, declarou esta escrava, digo, funcionária. Sua função era limpar alguns componentes de telefones celulares.

Segundo consta, esta limpeza era feita com álcool até que alguém descobriu que solventes à base de benzeno evaporariam mais rapidamente, tornando a linha de produção mais ágil. O problema é ser este componente comprovadamente cancerígeno. Mas… e daí? “Não havia ventilação, não havia janelas. No início, o cheiro era horrível, mas logo me acostumei a ele”, prosseguiu.

Esta pobre moça, assim como tantas outras, contraiu, como seria de se esperar, leucemia. Segundo consta, de acordo com estatísticas do próprio governo chinês, a cada cinco horas uma pessoa é envenenada por produtos químicos naquele país – a maioria por benzeno. Em seguida, o documentário exibe diversos jovens na mesma situação. Muitos deles morreriam antes mesmo de concluída a produção do filme.

A informação seguinte é especialmente chocante: “um aparelho eletrônico livre de benzeno custaria aos consumidores menos de US$ 1 a mais”. Eis aí, de forma crua, o quanto vale uma vida humana neste princípio de milênio.

A propósito, um outro recente documentário, produzido pela BBC, revelou que, dos US$ 650 cobrados por um moderno celular, US$ 248 são lucro e US$ 5 – sim, apenas cinco dólares – relativos a mão de obra.

Omiti, propositadamente, o nome da marca. Afinal, segundo denunciado, são praticamente todas. Eis aí, em verdade, uma questão superior, a ser apurada e tratada, antes de tudo, pelos Estados, Brasil incluído, através de suas instituições. Que tal cobrarmos isso?

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