Um país de falastrões?

Há poucos dias li que Promotores de Justiça de São Paulo redigiram minuta de projeto de lei para criação do “auxílio-vítima” – ajuda financeira de até um salário mínimo e meio a famílias carentes de vítimas de crimes dolosos contra a vida. 

Um dos autores deste belo projeto declarou que “o artigo 245 da Constituição diz que o poder público deve garantir um auxílio aos familiares, aos dependentes e herdeiros de vítima de crimes dolosos”. 

Fiquei a pensar no pequenino Japão. Sua Constituição não trata da segurança pública – é um texto pequeno, com apenas 103 artigos que não contém parágrafos ou incisos. Já a Constituição do Brasil, longa em artigos, incisos e parágrafos, trata do tema. 

Pois é: apesar disso, o Japão tem uma lei prevendo para as vítimas nada menos que 258 tipos de assistência, inclusive moradia, garantia de emprego e assistência médica, além de acompanhamento psicológico. Enquanto isso, no Brasil, aqueles que são “esteio de família” que tratem de se cuidar – se morrerem vítimas de algum crime deixarão seus entes queridos no mais triste desamparo. 

Existem outros países cujas vítimas, apesar de não mencionadas expressamente na Constituição, são amparadas. Na Inglaterra, por exemplo, o Governo indeniza “qualquer prejuízo extraordinário decorrente do crime, como por exemplo despesas médicas ou o custo de reparar ou substituir um bem”, além de compensar “as perdas salariais sofridas”. 

A Inglaterra não é um caso isolado em seu continente – antes, simplesmente cumpre texto do Conselho da Europa: “os Estados devem identificar e fornecer medidas que aliviem os efeitos negativos do crime”, incluindo “assistência médica, ajuda pecuniária e serviços psicológicos”, sendo que “estes serviços devem ser proporcionados gratuitamente imediatamente em seguida ao crime”. 

No Canadá são indenizadas todas as despesas e perdas financeiras “ocorridas ou que venham a ocorrer como resultado das lesões  ou morte da vítima”. Um detalhe importante: indeniza-se até a dor e o sofrimento experimentado pelas vítimas. 

Nos Estados Unidos, merece ser transcrita a descrição dos benefícios oferecidos pela California: “Além de assistência médica e acompanhamento psicológico, funerais e perda de rendimentos, cobre-se a limpeza da cena do crime, os custos de viagens para tratamento, as despesas de mudança de residência, manutenção da casa e cuidados dos filhos”. E não se esqueça da reparação ou substituição dos bens danificados ou destruídos por causa do crime. Aliás, a proteção é tamanha que há previsão inclusive de instalação de alarmes nas residências das vítimas, em caso de necessidade. 

Na Carolina do Norte, até as portas e janelas das casas de eventuais vítimas são trocadas pelo Governo, caso tenham sido danificadas por arrombamento . No Estado de Nova York providencia-se ainda o transporte das vítimas para as audiências. Aliás, merece registro que recentemente o Judiciário norte-americano ampliou ainda mais todos estes benefícios, determinando seja indenizado até o tempo gasto pela vítima nos Tribunais durante o julgamento do criminoso. 

Estes países não são exceção no mundo, e muito pelo contrário. Encontrei leis semelhantes em Hong Kong, Coréia do Sul, Filipinas, Taiwan, Tailândia, Ilhas Virgens, Porto Rico, Austrália, Nova Zelândia e em alguns estados indianos. Há um outro aspecto a ser realçado: este tipo de assistência não é recente. Só para ficarmos em alguns exemplos, a legislação de Hong Kong data de 1973, a do Japão de 1980 e a da Coréia do Sul de 1987. 

Assim, está de parabéns o Ministério Público – afinal, não é possível que nossa Constituição Federal projete para o mundo a impressão de que somos apenas um país de falastrões. 

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