A nossa alma

Nos idos de 2018, respondendo a uma pergunta sobre o valor do idioma, o saudoso jornalista Ricardo Boechat cunhou uma frase notável: “a língua é a alma de um povo”. Eis aí, perfeito e acabado, um alerta.

Fiquei a recordá-lo ao percorrer as galerias de um centro comercial brasileiro (se houver algum inglês lendo este texto, esclareço que “centro comercial” é “shopping center” ou “mall”) e deparar-me com uma placa dizendo “Join us for 50% OFF Black Friday week long Sale”. Estaria ali, naquela vitrine, estampada a nossa alma?

Decidi ir a um restaurante, no mesmo centro comercial. Era hora do almoço. Recebi, das mãos de um funcionário, um cardápio intitulado “Lunch Menu”. As opções eram as seguintes: “ribs”, “chicken”, “crusted chicken” e “steakhouse pasta”. E quem não falar inglês? Ora, que vá estudá-lo. Ou que “peça ajuda aos universitários”. Ou que fique com fome, para deixar de ser ignorante. Voltei a me perguntar: estaria ali, naquele cardápio, impressa a nossa alma?

Saindo do restaurante dirigi-me a uma loja especializada em aparelhos eletrônicos. Buscava adquirir um prosaico “radinho de pilha” para presentear um amigo – sim, um daqueles aparelhos portáteis que nosso povo costuma utilizar para acompanhar jogos de futebol.

O primeiro modelo que me foi exibido pelo vendedor não tinha sequer um controle em português.  E nem o segundo. E nem o terceiro. Encurtando a prosa, não encontrei um único “radinho de pilha”, feito no Brasil para brasileiros, que dispusesse de um simples botão “Liga/Desliga” – só “Pocket Radios” com “On/Off”. Uma vez mais me indaguei se estaria ali, no painel daquele aparelhinho tão popular, retratada a nossa alma.

Saindo dali, tomei um taxi. O veículo era um daqueles modelos tipicamente brasileiros, fabricados por compatriotas nossos para nosso exclusivo consumo. Porém, lá estava o painel de instrumentos totalmente em inglês! Ao motorista que não souber que o botão “start” aciona o motor recomenda-se conduzir alguma carroça – talvez o burro, brasileiro “da gema” que é, entenda português, afinal!

Não sou – e fique isso muito claro – adepto do isolamento. Defendo, antes, que temos muito a aprender com outros povos. Só acho que nossa alma de brasileiro não pode ser – como não é – medíocre a este ponto. Só isso, e nada mais do que isso.

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