A prescrição

Vários jusfilósofos (filósofos do Direito), dentre os quais cumpre destacar o francês Gabriel Tarde, colocam como elemento fundamental, sobre o qual repousa todo o Direito punitivo, a reprovação social. Só os fatos que ocasionam clamor público são punidos pelo Estado. E quanto mais reprovados eles forem, maiores as penas e mais violenta a ação repressiva do Estado.

Desse raciocínio derivam logo duas conclusões: a) a reprovação da sociedade varia em função da semelhança ou dessemelhança com o autor ou com a vítima; b) varia, também, de acordo com o tempo.

De fato, quanto ao item “a”, se o crime é cometido por um estrangeiro contra pessoa da terra, provoca maior reação da comunidade do que se ambos fossem da localidade; se o motorista de táxi furta um estrangeiro, todo mundo acha normal, e muitos até louvam o procedimento de “tirar dinheiro do gringo”; a sociedade será muito mais complacente no julgamento do homicídio se a vítima for um indivíduo estranho desconhecido, proveniente de outro País, sem raíz de espécie alguma na comarca do Júri.

Delimitando ainda mais o campo de atuação: o assassinato de uma universitária provocará imensa revolta no “campus”. Devido à “semelhança” com a vítima, se o julgamento tiver de ser feito pelos colegas, a grande reprovação social redundará na condenação máxima possível para o criminoso. O mesmo pode-se aplicar com referência a todas as classes: crimes contra negros, católicos, judeus, brancos, homossexuais, etc. Na hipóotese de ser o criminoso integrante duma dessas minorias, a “semelhança” com o autor e “dessemelhança” com a vítima atrairá pena curta, ou talvez até mesmo a absolvição.

Quanto ao item “b”, sabe-se perfeitamente que se o criminoso for julgado imediatamente após o crime receberá, em decorrência da enorme “reprovação social” pena muito mais exacerbada do que se comparecer a júri uma semana depois; ou um mês depois; ou um ano depois; ou cinco anos depois. Quanto mais tempo passar, menor a repulsa da sociedade, chegando até ao esquecimento e ao perdão.

O passar do tempo produz efeito destruidor sobre todos os sentimentos e paixões. A própria família da vítima pode chegar ao ponto, como é próprio da natureza humana, de querer “entregar a Deus” o agravo sofrido, perdoando o criminoso.

Daí originou-se o instituto da prescrição, que decorre dessa indiferença que se produz na consciência social, pelo decurso do tempo, tornando inoportuno, inconveniente, impraticável e ocasionalmente até mesmo injusto prosseguir no exame de atos que já perderam o valor.

Mas, além da atenuação ou mesmo do fim da reprovação social, existe outro aspecto a ser ressaltado. O julgamento de um crime cometido há longos anos constitui inegável demonstração de fraqueza dos órgãos do Estado, do desaparelhamento ou do mal funcionamento do Poder punitivo. A própria conveniência aconselha evitar-se essa exibição de impotência e fragilidade.

Esta é a razão por que o Estado estabeleceu prazos prescricionais, que variam de acordo com o crime. Quanto mais grave o crime, mais insistente se mantém sua recordação na memória do povo. Os pequenos delitos logo caem no esquecimentto; daí, têm o prazo de prescrição muito curto.

O próprio andamento do processo em época muito afastada do crime passa a ser difícil, ou mesmo impossível: testemunhas se mudaram, não podem ser localizadas ou morreram; detalhes foram esquecidos, etc.

No nosso Direito positivo tudo prescreve: o crime, a ação, e a pena (o ato, a pretensão punitiva e a pretensão executória).

É matéria de ordem pública. O réu não pode renunciar à prescrição adquirida e pedir para ser julgado ou punido. Se as partes não a requerem, deverá ser decretada pelo Juiz, de ofício.

No direito brasileiro nunca houve crimes imprescritíveis, por mais graves que pudessem ser. Foi a Constituição de 1988 que criou essa esdrúxula novidade, fazendo surgir a figura da imprescritibilidade em seu artigo 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV.

Independentemente de qualquer análise acerca dos objetos jurídicos tutelados, houve aí, inegavelmente, mais um dos inúmeros excessos e retrocessos da nova Carta, atentando contra princípio fundamental do direito penal.

Todas as disposições do Código relativas à prescrição, aplicam-se a todos os crimes e infrações penais, inclusive os constantes de Leis especiais (Código Eleitoral, Lei de Segurança Nacional, Lei das Contravenções Penais, Lei Antitóxicos, etc.), a não ser que haja texto expresso em sentido diverso.

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