As ilusões que custam caro

Dia desses conversava com um dileto amigo sobre um assunto absolutamente sério: mortes no trânsito. Discutíamos os números relativos a 2010, ano no qual 42.844 brasileiros perderam a vida em nossos matadouros – digo, estradas.

Resolvi fazer algumas contas. Um avião de grande porte, daqueles que voam pelo Brasil afora ligando nossas capitais, carrega em média uns 100 passageiros. Isto significa que naquele ano as mortes equivaleram a mais de 428 aviões lotados – 35 por mês, quase um por dia. Já pensaram no que aconteceria se caísse um avião a cada dia aqui no Brasil?

Decidi pesquisar mais um pouco e fazer novos cálculos. Descobri que aqui no Espírito Santo, em 2010, o trânsito custou a vida de 1.128 pessoas – o equivalente a mais de onze aviões de passageiros lotados. Dá quase um por mês caindo sob as nossas vistas. Imaginem o que faríamos se a cada mês caísse um avião em nossa terra!

Para complementar o quadro, registro que somos vice-campeões nacionais em mortes no trânsito – só perdemos para o Tocantins. A cada grupo de 100 mil capixabas, 11,2 morrerão em nossos matadouros – digo, estradas.

Isto tudo custa caro. O Brasil perde R$ 5,3 bilhões só por conta de acidentes de trânsito – que respondem, de forma absolutamente incrível, por metade das internações nos hospitais capixabas. Descobri que o INSS, sozinho, gasta R$ 8 bilhões por ano apenas com vítimas de acidentes.

Só para firmar em definitivo a gravidade do quadro, decidi passar os olhos pela Guerra do Iraque. Li que entre 2003 e 2009 perderam a vida 109 mil pessoas – algo em torno de 18 mil por ano. Pois é. Nosso trânsito mata mais que o dobro disso!

É curioso este mundo: quando caem aviões ou eclodem guerras movimenta-se a consciência de toda a humanidade – que, no entanto, silencia diante de morticínios muito piores, praticados diante dos olhos de todos!

Mas continuemos nossa caminhada, agora indo de encontro aos culpados. O eterno responsável de plantão atende pelo nome de “motorista”. É fácil culpar os motoristas. Aliás, eis aí o “saco de pancadas” perfeito: não tem nome nem rosto, não se defende e nem concede entrevistas.

É assim que acabamos convencidos de que os culpados são mesmo os motoristas – afinal, eles bebem muito, dormem ao volante, dirigem em excesso de velocidade, fazem ultrapassagens proibidas e o que mais pudermos imaginar.

Longe de mim dizer que não fazem isso – sim, as imperfeições do ser humano se refletem no trânsito, e merecem correção rígida e rápida. Eis aí uma verdade óbvia. Mas seria ela a única?

Vivemos em uma terra cuja malha ferroviária é absolutamente precária, um absurdo que compromete claramente nosso crescimento. Só para termos uma ideia, o trem-bala japonês já transportou 6 bilhões de passageiros em uns 50 anos de funcionamento – calcule quantos carros deixaram de circular e quantos acidentes deixaram de acontecer.

Por conta desta estranha opção rodoviária que fizemos, deixamos de investir o suficiente em portos e aeroportos – em sua maioria sucateados e sob processo de reformas ou recuperação. Algum iludido poderia dizer que pelo menos investimos em rodovias. Que nada! 72% de nossas estradas estão em péssimas condições e 10% delas sequer sinalização tem.

Eis aí o Brasil sem transportes, vítima de décadas de descaso. Enquanto isso, que sejam conduzidos às masmorras os motoristas. Afinal, devemos mostrar ao planeta que somos um povo civilizado a habitar um país emergente.

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