As leis e as salsichas

“Justiça asfixiada. Sobrecarga de trabalho, acumulação de processos, dificuldade de aplicar as penas. Os ratos percorrem as salas insalubres dos cartórios, pelos quais transitam milhares de pessoas processadas. Os elevadores foram desligados há 5 meses depois que um operário foi eletrocutado”. Este texto não é relativo a nenhum Juizado brasileiro. Trata-se da descrição do Tribunal de Bobigny, o segundo maior da França, feita pelo sério e conceituado jornal francês “Le Monde”.

“Todos os sistemas judiciários padecem com problemas sistêmicos associados ao custo dos processos e ao tempo gasto para decidir”. Esta não foi a conclusão de nenhum brasileiro, mas sim de um relatório da Comissão Australiana de Reforma da Legislação.

“Quase 400.000 casos estão pendentes de resolução. Apesar de a Justiça ser honesta e tecnicamente boa, seu principal problema é que chega tarde”. Esta também não é a queixa de nenhum brasileiro – trata-se de um lamento publicado no jornal espanhol “ABC”, relativo aos tribunais de Madrid.

“A Associação de Magistrados iniciou ontem uma greve em protesto contra as medidas do governo para reformar a Justiça. O Governo apresentou um projeto de lei que limita a autonomia dos magistrados”. Não, também aqui não se trata da Justiça ou do Governo brasileiros – fala-se da Itália!

Poderia cansar o leitor com centenas de outras notícias e reportagens que recolhi da leitura de diversos jornais do mundo – daria, com certeza, para preencher toda uma edição de domingo e faltaria espaço! Mas acredito que, diante destes poucos exemplos, possamos retirar uma conclusão: a Justiça funciona mal no mundo inteiro. Seja em países pobres ou ricos (aliás, apenas citei os ricos), independentemente de religião ou etnia, não encontrei ainda um único sistema judicial que funcione bem! Todos são lentos – uns menos, outros mais, mas todos, sem exceção, tachados de “morosos” pela população.

Inclusive, foi assim no passado e é assim no presente. Nunca houve, no mundo, um sistema judicial reconhecido pela população como sendo ao mesmo tempo rápido e justo! Esta mesma humanidade que já foi à Lua e quer ir a Marte não conseguiu, ainda, disponibilizar para si própria um sistema judicial que funcione!

Por que? Como explicar-se isso? A propósito, livros inteiros já foram escritos. Eu não quero escrever um livro sobre isso – acho que não precisa. Prefiro citar algumas poucas frases que, sem qualquer traço de hipocrisia, bem definem a questão.

Começo por Honoré de Balzac: “as leis são teias de aranha, pelas quais passam as moscas grandes e que prendem as pequenas”. Há também Fernando Sabino, a dizer “dura lex, sed lex: a lei é dura, mas é lei. Mas, para os ricos, é dura lex, sed latex: a lei é dura, mas estica”. Complementa-o J. Pierpont Morgan, milionário norte-americano: “não preciso de advogados para me dizer o que não devo fazer; eu os contrato para me dizer como fazer o que quero fazer”.

Uma pequena reflexão sobre estas poucas frases nos conduz a uma outra: “direito é a expressão da vontade dos mais fortes” (Giuseppe Bettiol). E, suspeito eu, poderíamos chegar à frase magistral do chanceler alemão Otto von Bismarck, que talvez resuma o problema: “ah, se as pessoas soubessem como se fazem as leis e as salsichas”.

Esta foi, sem retoques, a realidade da “justiça dos homens”: tinha que existir, de molde a ensejar uma indispensável sensação de segurança, porém somente até um certo ponto. Havia que se ter “Justiça”, mas apenas até um certo grau. Os juízes podiam julgar e decidir à vontade, desde que ficassem aquém de uma linha que separa a “patuléia” das estruturas que comandam os Estados – a partir dela, ou não havia leis ou estas eram claramente defeituosas. Foi assim nos primórdios da civilização. Foi assim na antigüidade clássica. Foi assim na era dos impérios. Será que é assim hoje?

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