Causa da morte

Ela Kissi-Debrah, uma criança de apenas nove anos de idade, faleceu na cidade de Londres, no Reino Unido, vítima de problemas respiratórios. Sua mãe, Rosamund Adoo-Kissi-Debrah, iniciou então uma verdadeira cruzada em torno da redação do atestado de óbito – que fosse nele lançada como causa da morte a poluição do ar.

Seu argumento é digno de nota: sua filha residia às margens de movimentada rodovia situada ao sul da capital, na qual intenso o tráfego de caminhões e bem assim elevados os níveis de poluição derivada da queima de óleo diesel – um quadro sabidamente causador de doenças respiratórias.

Eis aí uma grande iniciativa: colocar o dedo em uma ferida que flagela todo o planeta. Fico a pensar, por exemplo, no relatório final da CPI da Poluição, apresentado na Assembleia Legislativa  do Espírito Santo nos já distantes idos de 1996, no qual uma pneumologista relacionava o aumento do número de mortes de crianças à elevação dos níveis de poluição atmosférica na Grande Vitória – um alerta que confere com lúcida tese de doutorado desenvolvida sobre o mesmo tema.

A propósito, a Organização Mundial de Saúde calcula que a passividade carneira diante dos índices de poluição do ar assassina 600.000 crianças a cada ano – algumas no seu bairro, inclusive. Há, claro, as que sobrevivem e chegam à idade adulta. Passarão, então, a integrar outra sinistra estatística, qual a das sete milhões de mortes prematuras.

Trata-se de um quadro tão pungente que já ensejou incisiva manifestação por parte da UNICEF, no sentido de que está sendo negado ao futuro da humanidade um dos mais básicos direitos humanos, qual o do acesso a ar minimamente respirável – não mais puro, mas apenas respirável.

Dia desses fiquei a pensar nisso, e com infinita tristeza, ao contemplar os pés de uma criança que brincava, despreocupada, na varanda do apartamento de seus pais. Era chocante a cena da pele ainda tenra enegrecida por um pó preto comprovadamente assassino, mas que permanece impune, passando ao largo dos mais respeitáveis atestados de óbito.

Enquanto isso, alheio a este debate, lá está o corpo da pequena Ela. Eu não sei como, afinal, será redigida sua certidão de óbito. No que toca à sua lápide, porém, vejo como perfeito o seguinte epitáfio: “Aqui jaz mais uma vítima da ganância humana”.

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