Da prisão temporária

Há alguns meses a imprensa registrou caso muito interessante ocorrido no Rio de Janeiro. Quatro indivíduos, de mão armada, invadiram um restaurante, para assaltá-lo. Apontaram revólveres e escopetas para os fregueses e os donos da casa, e passaram a saquear todos. Terminada a operação, ao saírem carregando dinheiro, bens e pertences dos proprietários e de sua clientela, um dos assaltantes virou as costas e deu um tiro a esmo. A bala atingiu um daqueles que tinham ido ali apenas para jantar, causando-lhe a morte.

O episódio repercutiu na imprensa. A Polícia em menos de 24 horas prendeu quatro suspeitos e pediu ao Juiz a decretação de sua prisão temporária, no que foi prontamente atendida.

Os quatro rapazes tiveram suas fotos e seus nomes divulgados amplamente por todos os jornais, rádios e televisões. Alegando serem inocentes, jurando de pés juntos que não haviam participado do crime, foram obrigados a constituir advogado para provarem que na hora do crime estavam em outro local. Enquanto protestavam e reclamavam contra o arbítrio a que estavam sujeitos, iam ficando de molho na cadeia.

Durante a elaboração do inquérito policial, os acusados não foram reconhecidos por aqueles que se encontravam no restaurante, e o Promotor, diante da inexistência de provas, pede a libertação dos acusados, no que é prontamente atendido pelo Juiz.

Eis que finalmente, após uns 3 ou 4 meses de prisão, aparecem os verdadeiros autores do crime. Confessam a autoria e são perfeitamente reconhecidos por suas vítimas (menos o morto, é claro).

Esses fatos que à primeira vista parecem excepcionais e raríssimos – tanto assim que só ocasionalmente surgem nos noticiários dos jornais – têm, entretanto, se mostrado muito comuns no dia a dia da Justiça Penal. Aqui no Espírito Santo e pelo Brasil afora centenas e milhares de pessoas são presas sumariamente por mera “suspeita” e soltas depois, após constatado o “equívoco”. E nem sequer se pede desculpas à vítima.

Isto nos faz recordar uma reunião que houve em Brasília, na época do regime militar, em que Secretários de Segurança de todo o País pediam e exigiam a criação da prisão temporária, que consideravam essencial para a manutenção da ordem pública.

Diante dos protestos acalorados de tantas instituições, nacionais e internacionais, defensoras dos Direitos Humanos, o Governo recuou. A ditadura arquivou o projeto.

Restabelecida a democracia, após nova convocação de Secretários, foi finalmente encaminhada ao Congresso proposição instituindo a Prisão Temporária, que, com o voto exatamente daqueles mesmos democratas autênticos, que tanto haviam combatido sua implantação, converteu-se na Lei 7.960 de 21 de dezembro de 1989.

Antigamente a Polícia prendia meros suspeitos, sem qualquer mandado judicial. Por ocasião da elaboração da Constituição de 1988, introduziu-se dispositivo, segundo o qual “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (CF, art. 5º, LXI).

Teóricos e jejunos de toda espécie festejaram essa mudança, saudando-a como eminentemente democrática.

Acontece que, na realidade, a situação, em vez de melhorar, piorou. Isto porque, se o Delegado pede ao Juiz a decretação de uma prisão temporária, considerando-a “imprescindível para as investigações do inquérito policial” (Lei 7.960, art. 1º), o Juiz, para não ser responsabilizado mais tarde pela fuga de criminoso perigoso, ou de ter acobertado autor de crime hediondo, costuma atendê-lo prontamente.

Antigamente, num caso de erro ou de abuso de autoridade do Delegado, cabia habeas corpus para o Juiz (que se encontra no local e é facilmente encontrável). Atualmente, não. Da prisão decretada pelo Juiz só cabe habeas corpus para o Tribunal – órgão mais complexo, situado na Capital, e só é acessível a moradores da Capital, ou pessoas do interior que disponham de recursos para mandar Advogado à Capital. Enquanto isso, a vítima do erro ou abuso, que não disponha de recursos, permanece mofando na prisão.

Num País onde tanto se fala na necessidade inadiável de humanização das prisões, de diminuir penas e acudir condenados, cremos que seria bem oportuno tratar-se, também, de estender as mãos a centenas e milhares de meros suspeitos e inocentes, pensando-se na revogação da Lei 7.960, que começou sob tão maus auspícios e, na realidade, vem cumprindo triste sina.

Basta dizer que para sua criação apontou-se, na época, que seria indispensável para combater o crime e reduzir o alto nível de criminalidade. E desde então as taxas de criminalidade em vez de diminuir, aumentaram.

É como diz o adágio popular: “Além de queda, coice”.

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