Da reparação civil

Qualquer um que se der ao trabalho de estudar um pouco as Ciências Penais, haverá de verificar que a tendência do Direito Penal moderno é substituir a pena, na medida do possível, pela reparação civil.

Antigamente dizia-se na linguagem jurídica que “a reparação não exclui a pena”. Hoje, entretanto, fala-se correntemente que “a reparação torna supérflua a pena”.

Assim, o que se vê atualmente é que, se o autor de um furto, praticado sem o uso de violência, devolve o objeto em perfeito estado, ou o estelionatário que indeniza o dano causado, podem ficar impunes, ou no máximo se sujeitarem a uma pena alternativa qualquer – prestação de serviços à comunidade, doação a pobres ou instituições beneficentes, etc.

Não se toma em consideração se essa “composição” foi feita espontâneamente ou sob coação da Justiça.

Na Alemanha o processo penal pode ser trancado sem condenação, até um certo grau de criminalidade média, se o dano criado foi plenamente reparado (§ 153 do Código de Processo Penal).

Nosso Código Penal inclui dentre as causas que atenuam a pena, “ter o agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano” (Art. 65, III, b).

Nos meios jurídicos de todos os países civilizados, neste princípio de século e de milênio, trata-se de retirar da área do Direito Penal os furtos cometidos em magazines ou “shoppings”; aqueles praticados por funcionários públicos e de empresas privadas, etc., cogitando-se apenas da reparação civil, movimento este que se designou como de “descriminalização com a ajuda do Direito Civil”.

O legislador, quando adota essa linha e segue nessa direção, pratica uma filosofia social avançada. Enquadra-se no pensamento jurídico de nossa época.

Diante de uma realidade chocante e traumatizante, trata-se, discute-se e defende-se abertamente a limitação do Direito Penal às situações irreversíveis, a substituição da pena pela reparação civil ou pelas indenizações das seguradoras. Procura-se utilizar a ameaça da pena principalmente como meio, dos mais eficazes, de resolver os conflitos.

Nessa luta pela reparação do dano, tornam-se supérfluas as fronteiras entre direito penal, direito civil, direito financeiro e direito social. O essencial é, antes de mais nada, extinguir o conflito, eliminando-se ou atenuando-se as consequências dum acidente ou dum dano causado. Resolvendo-se o conflito, restabelece-se a paz social – supremo objetivo do Estado e da Justiça.

Aristóteles, o grande filósofo grego, falando sobre justiça retributiva e justiça distributiva, já dizia que “a justiça retributiva exige que uma violação da Lei encontre reparação, que a injustiça deve ser reparada, enquanto que a justiça distributiva exige que os bens de que dispõe a comunidade sejam distribuídos equitativamente”. Naturalmente, considerava a segunda mais importante do que a primeira, gozando de primazia absoluta.

A relação atual entre pena e reparação civil não é senão a prova de uma transição total da justiça retributiva para uma justiça distributiva, em direito penal.

Radbruch, jusfilósofo alemão, acentuava numa de suas obras, que “a justiça distributiva é a forma fundamental da justiça; a justiça distributiva, ao contrário da justiça retributiva, tem um valor absoluto”.

Como analisa a ciência moderna, uma vez determinado o dano, este pode e deve ser indenizado pelo seu causador, por uma sociedade de pessoas, por uma seguradora privada ou estatal, ou pelo Estado mesmo, segundo o princípio da distribuição.

Infelizmente estas teorias, que surgiram a partir da segunda metade do século passado, ainda não se acham plenamente assimiladas e aceitas por nossa comunidade política, nem sequer pela comunidade jurídica, fazendo com que nossas prisões vivam abarrotadas, com seus ocupantes numa promiscuidade sobretudo imoral e indecorosa para nossos níveis civilizacionais.

Bem dizia Evandro Lins e Silva que “a prisão é uma incubadora cara, eficaz e prolífica para a geração e crescimento de marginais, aperfeiçoados pelo convívio com outros marginais já reincidentes”.

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