Das profecias

O Professor Morris Raphael Cohen, da Universidade de Chicago, disse, uma vez, aos seus alunos que imaginassem ter aparecido na terra um ser superhumano, oferecendo aos homens ensinar-lhes uma coisa mágica, que faria a vida incomparavelmente mais confortável, colorida e divertida; em retribuição os homens deveriam oferecer-lhe anualmente um sacrifício sangrento de 50 mil vidas humanas. Com que indignação teria sido repelido pelos homens! Mas então, concluiu o professor, apareceu o automóvel! (Karl E. Meyer).

Essa profecia, se por acaso falhou nos Estados Unidos, confirmou-se perfeitamente aqui no nosso País, pois, segundo levantamentos procedidos pelos órgãos oficiais, só no ano passado foram mortas, nas estradas e ruas brasileiras, cerca de 50 mil pessoas.

Trata-se, inegavelmente, de uma espantosa tragédia. São números catastróficos, e que ultrapassam, de muito, as previsões do Professor, que se referiu a um número calculado para o mundo todo, e não apenas para um só país.

Já está na hora, portanto, de se parar um pouco para pensar sobre tão tormentoso assunto. Essa estatística é tenebrosa demais para deixar indiferentes tantas consciências lúcidas de uma sociedade eminentemente fraterna, cristã e humanitária, como a nossa. Precisam ser identificadas as causas dessa enormidade.

Proclamam os entendidos que a política de trânsito nos Estados Unidos é chamada política dos “Três E”, ou seja, orienta-se sob três princípios fundamentais que começam pela letra “e”: engineering, education, enforcement (engenharia, educação e punição).

Povo eminentemente pragmático, objetivo e realista, o americano entende que em primeiro lugar está a engenharia. Realmente, rodovias e estradas bem feitas, planejadas com cuidado, diminuem o perigo de desastres, reduzindo-os a níveis insignificantes, ou pelo menos suportáveis. Exemplo disso temos na nossa atual Rodovia do Sol, recentemente inaugurada.

Lá, e em todos os países do primeiro mundo, são construídas estradas como aquela, com três ou quatro pistas, em mão única, o que quer dizer: quatro para ir e quatro para voltar. As rodovias têm poucas curvas: o motorista corre por dezenas de quilômetros em retas. Há estradas para carros e estradas para caminhões. Sinalização perfeita. Pode-se dizer que não existem estradas de mão dupla.

Em segundo lugar vem a educação. Os jovens americanos, alemães, ingleses, franceses, escandinavos, etc., recebem aulas sobre comportamento no trânsito a partir do curso primário. Desde a infância aprendem as regras básicas de direção e de legislação do trânsito, aprendendo, além disso, como devem atravessar uma rua, e a respeitarem os sinais e os guardas de trânsito.

E, finalmente, em terceiro e último lugar, colocam o “enforcement” – a aplicação e execução da lei, a punição.

Não é preciso muito esforço de raciocínio para se compreender que aqui no nosso País faz-se exatamente o contrário: em primeiro lugar a punição, em segundo lugar a educação, e, em último lugar, vem a engenharia.

O motorista vive entregue à gana de cobranças desalmadas, onerado por multas que muitas vezes ultrapassam o valor do próprio carro, sujeitando-se, ainda, a penas e mais penas cruéis, criadas por uma nova Lei de Trânsito que não é nada mais nada menos do que um Código Penal do Trânsito.

A preocupação central de toda a política de trânsito no nosso País, infelizmente, situa-se na cobrança de multas. Pensa-se unica e exclusivamente em arrecadar dinheiro. A imaginação criadora de mentalidades fiscalistas engendrou uma nova espécie de tributo: a multa de trânsito.

No que se refere à educação, resume-se em, monotonamente, aconselhar o uso do cinto de segurança, que, na verdade, visa a evitar os danos causados pelo acidente. Quando a preocupação maior deveria ser a de evitar o acidente. Em vez de se conscientizar o motorista para sempre andar pela direita, deixando a esquerda para quem vai mais rapidamente; ir em marcha lenta ou moderada; usar de preferência o freio-motor, evitando paradas bruscas, porque o bom motorista vê, ao longe, que se aproxima de um sinal e vai, à distância, deixando o próprio motor do carro ir diminuindo a velocidade. Acerca desses e outros ensinamentos, nada se fala. Fala-se somente no cinto de segurança.

E, a propósito, observou, com muita propriedade, Millor Fernandes: “Segundo o Detran, os cariocas afinal se lembraram de que são cariocas. Estão, cada vez mais, deixando de usar o cinto de segurança, essa odiosa imposição dos lobbies internacionais das montadoras. E do Estado caça-níqueis. Há inúmeros casos, absolutamente comprovados, “remember Dener”, em que o cinto mata. Nunca se provou que salve” (FSP, 21.1.01). E muito menos que evite o desastre.

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