Dos atentados

Levantamentos efetuados pela imprensa (nacional e internacional) registram que nos últimos 20 anos houve 9.179 atentados terroristas por este mundo afora. E que 19.422 pessoas morreram em atentados terroristas internacionais entre 1995 e 2000, ou seja, neste curto período de 5 anos.

E, por incrível que pareça, a maioria desses conflitos tem motivos religiosos. Causados pelo fanatismo.

Fica-se surpreso e revoltado ao ver as atrocidades sem número que têm sido cometidas em nome da religião e em nome de Deus. O gládio da justiça está sempre pronto para punir, ao menor sinal de intolerância. Há crimes de lesa-majestade divina, como se Deus pudesse receber algum atentado em sua felicidade, da boca ou da mão dum mortal!

O ateísmo, o deísmo, a heresia, a apostasia, o cisma, a blasfêmia, o perjúrio, o sacrilégio, a profanação das coisas santas; a falta de respeito à religião, a seus ministros, a tudo que se relaciona com o culto, às crenças, às práticas. Tudo isto é ainda soberanamente criminoso aos olhos de muita gente, e os poderes públicos teriam por obrigação reprimir palavras, ações, que não prejudicassem a ninguém, sem dúvida, mas que chocam, que revoltam aqueles que pensam e agem de outro modo. Sem dúvida alguma as conveniências, a verdade e a virtude mesma podem ter de sofrer dum grande número desses atos e desses pensamentos; mas o Direito está muito menos interessado nisso, e é do Direito que se trata em matéria de legislação.

Muçulmanos contra cristãos, e vice-versa; judeus contra palestinos, e vice-versa; católicos contra protestantes e vice-versa; teístas contra materialistas, e vice-versa. É na Caxemira, na Palestina, na Irlanda, no Afeganistão, na Bósnia, etc.

Ao longo de toda a história do mundo, e até nos dias atuais, o fanatismo tem sujado de sangue as mãos de povos e governantes de quase todos os países! E fica-se triste e decepcionado quando se constata que este espírito está ainda vivo, que anima mesmo uma grande parte do mundo civilizado, que é o Estado, em princípio, que erige por toda parte onde pode, em direito e dever, a tirania religiosa, o assassinato das consciências.

Em vendo essas atrocidades exercidas com um acréscimo de ódio, sob a influência do cristianismo, islamismo, confucionismo, etc., montados sobre os troncos de governos aparentemente democráticos, se seria tentado a crer que este furor sagrado é a maior e a mais funesta das aberrações possíveis.

Fica até difícil entender-se como em pleno século 21, e neste terceiro milênio, depois de termos atravessado séculos e séculos de intolerância religiosa e de terríveis guerras religiosas, ainda se discute e se contesta um dos direitos mais caro e mais sagrado, o de crer em Deus como se pode, e o de honrá-lo, em conseqüência.

Já no século 16 filósofos e pensadores exigiam para todos a liberdade de ser em matéria religiosa. Que cada um tivesse a liberdade de proclamar sua fé, de praticar seu culto numa medida de reciprocidade compatível com a justiça e a boa ordem exterior das sociedades civis. Exigiam para todos o direito igual de proselitismo, o direito de combater pelo raciocínio, pelos fatos, por todos os meios aprovados pela sã razão.

Liberdade de pregar, de ensinar, de contestar, mas não de injuriar, de difamar e de coagir. Esclarecer a opinião pública, tomá-la por juiz, fazer apelo à ciência como ao senso comum, estabelecer teses e antíteses, derrubar umas e outras; que, em todo esse movimento de liberdade e de vida intelectual, o erro não tenha nenhuma chance de permanecer na posse pacífica dos espíritos, e que a verdade mesma não repouse em seu triunfo, senão após ter dissipado todos os erros contrários: é direito de todos os pregadores da palavra de Deus; é seu dever.

A crença num Deus, fundamental de nossas mais caras esperanças e de nossos maiores temores, objeto imenso, finito ou infinito, de nossa imaginação e do nosso culto, tem sempre e por toda parte inquietado a alma humana com uma força toda poderosa.

Mas, infelizmente, são muito procedentes as palavras de Colton: “Os homens lutam e batalham por sua religião; discutem por ela, combatem por ela, morrem por ela; fazem tudo, menos viver ajustando-se a ela”.

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