O Brasil que não muda

Dia desses, sacolejando animadamente de um lado para o outro a bordo de uma esburacada rodovia, fiquei a meditar sobre o absurdo de um país imenso como o nosso praticamente não ter ferrovias – algo sem paralelo no planeta. Aliás, sequer trilhos um dos maiores exportadores mundiais de minério de ferro produz – somos importadores, acredite. E nos recusamos a mudar! Entre um recapeamento e outro vamos levando a vida, ou perdendo-a em um acidente qualquer, sempre seguindo o receituário da famosa advertência de Machado de Assis: “seja a favor da modernidade, mas não a aplique”.

E que dizer das barreiras tributárias, um outro entrave ao nosso desenvolvimento? Há décadas a Europa realizou o milagre de promover o livre comércio entre países que até poucos anos antes só trocavam tiros e bombas! Enquanto isso, até hoje não conseguimos abrir plenamente nosso mercado interno aos nossos próprios conterrâneos! Diante desta pouco inteligente realidade, com a palavra Gerta Keller: “velhas ideias são difíceis de mudar”.

Nosso sistema educacional, muitas vezes mais focado em ensinar às crianças o nome do navio que levou José Bonifácio ao exílio do que em proporcionar conhecimentos jurídicos e técnicos indispensáveis à cidadania e ao exercício profissional, segue firme em sua imutabilidade – sem atentar para o fato de que as empresas aqui instaladas frequentemente não conseguem nem contratar mão-de-obra qualificada. Daí, decerto, o aviso de José Martí: “o maior inimigo do progresso é o hábito”.

Vivemos em um dos países mais burocratizados do planeta – a propósito, são incontáveis as pesquisas e relatórios demonstrando as fortunas que nos custam os carimbos, atestados e formalidades. Mas não mudamos! Nosso amor pelo papel é mesmo inabalável – e pobre de quem se meta a querer simplificar algo. Afinal, como proclamava Nicolau Maquiavel, “deve-se lembrar que nada há de mais difícil para se fazer, mais perigoso para se conduzir, do que liderar a construção de uma nova ordem de coisas. Isso porque o inovador tem como inimigos aqueles que tiraram proveito das velhas condições e como defensores tímidos aqueles que podem tirar algum proveito da nova ordem. Essa frieza deriva em parte do medo dos adversários, que têm a lei do seu lado, e em parte da incredulidade dos homens, que não estão propensos a acreditar logo em coisas novas, até que as tenham experimentado por bom tempo”. E viva o carimbo! Palmas ao atestado de residência! Longa vida aos burocratas, pois!

Falamos muito em progresso e passamos os dias sonhando com nossa entrada triunfal no denominado “1º Mundo”, mas não conseguimos nos libertar de uma economia antes e acima de tudo meramente extrativista. Nosso parque industrial, a cada dia mais entregue a grupos estrangeiros, é símbolo de uma globalização que só existiu daqui para lá, e não de lá para cá. Mas ficamos firmes em nossas pseudo-convicções, relegando a um segundo plano o tão saudável conselho de Ella Wilcox, segundo quem “mudança é a senha para progredir”.

Gostamos de nos definir como um país moderno e dinâmico. Temos, aqui, um dos maiores celeiros de criatividade do planeta. Somos um dos povos mais empreendedores do mundo, à frente até mesmo dos Estados Unidos da América. Surpreende, assim, que em áreas tão importantes sejamos tão tímidos e reacionários! Será que, sem que tenhamos percebido, nosso país transformou-se em um vasto cartório ou voltou a ser colônia?

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