O que eu posso fazer?

Dia desses conversava sobre uma estatística divulgada pela ONU, segundo a qual a cada cinco segundos morre uma criança de fome pelo mundo afora. Faça uma experiência e conte até cinco. Um, dois, três, quatro, cinco – morreu outra!

Meu interlocutor, entre surpreso e impotente diante de um quadro desses, suspirou uma significativa frase: o que eu posso fazer?

Prossegui citando os resultados de um outro estudo, este britânico, segundo o qual mais de nove milhões de crianças menores de cinco anos morrem anualmente vítimas de doenças perfeitamente curáveis, tais como pneumonia, diarreia ou malária.

Uma vez mais o amigo com quem conversava, já aí gravitando entre a ansiedade e a impaciência, repetiu o bordão: o que eu posso fazer?

Recordei-me, então, de um cálculo segundo o qual apenas US$ 40 bilhões evitariam todas estas mortes. A propósito, a expressão “apenas” justifica-se por equivaler à metade do que a humanidade gasta, por exemplo, com água mineral.

Seria, então, o caso de não mais consumirmos água mineral? Eis aí, perfeito e acabado, um sofisma que acaba nos afastando das soluções que estão aqui perto, diante dos nossos olhos. É verdade: eis a humanidade reclamando do que se gasta com armas, brinquedos, água mineral ou seja lá o que for – e como em pouco ou nada podemos alterar tais realidades, assumimos uma culpa que não nos é devida e deixamos de atentar para questões mais rotineiras.

Vamos começar, por exemplo, pelo mendigo que está ali, do outro lado da rua, e pela propaganda oficial que você assiste e lê todos os dias. Não é pouco dinheiro – apenas a administração federal direta gastou, em 2009, R$ 455 milhões e a indireta, através de empresas estatais, nada menos que R$ 724 milhões. Acrescente a isso o que se gasta a nível estadual e municipal.

Agora pegue uma calculadora e calcule quantos mendigos seriam retirados das ruas só com o dinheiro que economizaríamos se o governo parasse de falar bem de si próprio. Simples assim. E acabar com isso está, sim, ao alcance da sociedade civil organizada.

Vamos a mais um exemplo: a cada mudança do administrador de plantão corresponde a confecção de novos logotipos, papeis personalizados, pinturas de veículos etc. Tudo aquilo que levava a “marca” da administração anterior, por incrível que pareça, vai para o lixo – aquele mesmo lixo frequentado por tantos semelhantes nossos em busca de comida.

Volte à calculadora e calcule quantos famintos poderíamos alimentar apenas eliminando este desperdício. Mudar isso está, sim, ao nosso alcance. Aliás, não faz muito tempo o Tribunal de Justiça confirmou uma lei municipal, de iniciativa de um vereador, exatamente neste sentido – de parabéns, este legislador!

Por falar em continuidade administrativa, que tal falarmos das obras inacabadas? Não faz muito tempo o TCU identificou 400 delas, paradas após terem consumido inacreditáveis R$ 2 bilhões em recursos públicos – que poderiam ter sido utilizados para retirar das filas e dos corredores dos hospitais públicos tantos semelhantes nossos. Uma vez mais, extirpar este acinte está, sim, ao alcance da população – de cada um de nós, enquanto sociedade civil organizada.

Claro, há outro caminho – o de sempre, o de colocar a culpa nos consumidores de água mineral, brinquedos e assemelhados. Sobre este, alertava Martin Luther King que “nossa vida começa a acabar quando nos calamos frente às coisas que realmente importam”.

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